Segunda-feira, 10 de março de 2025
Por Redação O Sul | 10 de março de 2025
Após décadas de subinvestimento no setor militar, a Europa está disposta a gastar mais com segurança. É o que asseguram lideranças como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que apresentou na última terça-feira um plano bilionário para rearmar o bloco usando “todas as alavancas financeiras à disposição”. O potencial aumento dos recursos, porém, precisa vir acompanhado de maior eficácia na aplicação do dinheiro, em um continente cuja base industrial de defesa, já defasada em relação à dos EUA (que, sob novo governo de Donald Trump, pressiona cada vez mais seus aliados europeus), padece com a falta de padronização entre os diferentes Estados e de grande escala produtiva, alertam estudiosos.
A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 provocou um aumento evidente na demanda por tanques, armas e munição na Europa. Mas ainda não está claro se o seu setor de defesa está em condições de atendê-lo sem apoio dos EUA. Hoje, para impedir um avanço rápido da Rússia nos Bálticos, onde supostos ataques híbridos se tornaram mais comuns nos últimos três anos, seria necessário um mínimo de 1.400 tanques, 2 mil veículos de combate de infantaria e 700 peças de artilharia, segundo estudo do Bruegel, um centro de pesquisas de Bruxelas dedicado a políticas econômicas. Isso é mais poder de combate do que o existente nas forças terrestres combinadas de França, Alemanha, Itália e Reino Unido.
Os gastos conjugados dos países da União Europeia com defesa têm aumentado significativamente desde 2014 e atingiram recordes € 326 bilhões (cerca de R$ 1,97 trilhão) em 2024, 30% a mais do que no período pré-guerra na Ucrânia, segundo o Conselho Europeu. Países como Alemanha, Dinamarca, Lituânia e Letônia, além do Reino Unido, que não faz parte da UE mas integra a Otan, também anunciaram novos acréscimos para os próximos anos.
Falta de padronização
No entanto, a indústria de defesa do bloco é amplamente fragmentada em linhas nacionais que operam em mercados domésticos relativamente pequenos. Na prática, isso significa lacunas em algumas capacidades, duplicação de outras, falta de padronização e escala, problemas de interoperabilidade, dependência estrangeira para itens mais sofisticados (como caças e sistemas de defesa antiaérea) e gastos ineficientes.
Somente em relação à artilharia de 155 mm (padrão-Otan), os países europeus forneceram à Ucrânia dez tipos diferentes de obuseiros de seus estoques, e alguns foram entregues em variantes diversas, criando sérias dificuldades logísticas para as Forças Armadas ucranianas, segundo relatório do ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro italiano Mario Draghi. O mesmo documento, encomendado pela Comissão Europeia em 2024 para discutir o futuro da competitividade estratégica do bloco, aponta que os países operam 12 tipos de tanques de batalha, enquanto os EUA produzem apenas um (o M1 Abrams e sua variante M1E3 Abrams).
A indústria de defesa do continente também investe pouco em desenvolvimento tecnológico — foram cerca de 4% dos gastos totais do setor em 2023, em comparação com mais de 17% de Washington no mesmo período — e depende fortemente das relações individuais dos países europeus com os EUA.
A Comissão Europeia estima que a falta de cooperação entre os Estados-membros no campo da defesa e da segurança custe anualmente entre € 25 bilhões e € 100 bilhões. Isso porque até 30% das despesas anuais do setor poderiam ser economizadas por meio do agrupamento das aquisições caso 80% das compras e mais de 90% da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico não estivessem concentrados no âmbito nacional, aponta.
— Tradicionalmente, a discussão sobre gastos com defesa na Europa era focada na necessidade de cumprir a meta de gastos de 2% da Otan, mas muito pouco se falava sobre como esses gastos seriam feitos — disse Jacob Kirkegaard, membro sênior do Bruegel.
Segundo ele, a eclosão da guerra na Ucrânia e, principalmente, a volta de Trump ao poder “fizeram muitos líderes europeus acordarem para a realidade”.
— Há mais de 70 anos, os EUA têm fornecido garantias sólidas de segurança para a Europa, mas os governos Trump indicaram que o país tem potencialmente outras prioridades — explica Giuseppe Spatafora, pesquisador associado do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia. — Isso significa que o compromisso americano em termos de tropas e equipamentos pode ser reduzido.
Fator Ucrânia
Para Spatafora, a Ucrânia mostrou que o tipo de guerra que os países europeus enfrentarão é a de alta intensidade. Portanto, “é preciso ter uma base industrial forte, e não apenas na UE, mas no máximo possível de países”.
No início de 2024, diante da dificuldade da Europa em atender à crescente demanda por armas e munições ucranianas, a Dinamarca desenvolveu um novo mecanismo para financiar a aquisição desses equipamentos. Em vez de comprá-los no mercado europeu ou americano para enviá-los a Kiev, passou a apoiar diretamente produtores de materiais bélicos na Ucrânia. A iniciativa não só aumentou a capacidade produtiva ucraniana (que estava operando em torno de 30%), como fomentou a economia nacional, despertando o interesse de outros países da UE e da Otan em estabelecer acordos semelhantes. As informações são do O Globo.