Gilberto Gil acaba de realizar um sonho de infância. Saiu do Brasil, viu dois jogos da seleção e um da Argentina. Dois dias depois, estava se apresentando em Paris, com uma orquestra “au grand complet”: 120 músicos, 80 cantores e cantoras, percursionistas vindos da Bahia, cinco solistas brasileiros e o filho Bem. No palco da Radio France Internacional, ele mostrava pela primeira vez “Amor Azul”, uma ópera em dois atos, que assina com o maestro Aldo Grizzi, saudada pela mídia francesa como uma estreia mundial.
“Foi a primeira vez que toco com uma grande filarmônica, desde menino penso nisso”, conta ele, em entrevista na Academia Brasileira de Letras, enquanto os outros imortais tomam chá, depois da reunião semanal.
Cheio de energia, com os olhos postos no horizonte, ele ri das transgressões do
passado e nada mostra que há quatros anos teve problemas de saúde e ainda
estava recuperando o gosto de viver. Ou que uma semana antes havia sido
insultado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no Catar. “São nazistas.”
Gil está no seu apogeu. Há documentários, shows e livros programados para
homenageá-lo e à sua família, comemorar os 50 anos do “Expresso 2222”, contar os bastidores do “Panis et Circenses”, seu segundo disco já ligado à Tropicália. A eleição para a Academia Brasileira de Letras há um ano e um livro recém-lançado com 600 letras compostas por ele — 100 em cada década — são também um retrato do pensamento diverso do poeta e músico aos 80 anos. “Diante do acolhimento que meu povo me proporcionou, dou o gracias a la vida.”
Está animado com o governo Lula. Ministro da Cultura do primeiro governo Lula, ele foi citado como um modelo a ser seguido por Margareth Menezes, recém-anunciada para recriar o Ministério da Cultura no Lula 3. Ela e Gil são parceiros em gravações e, para ele, a primeira ação a ser feita é “restaurar o prestígio da vida cultural, na sua variedade, sua complexidade, nas suas diferentes fontes de criação”.
Que recado mandaria a Lula? Depois de se concentrar um pouquinho, não tem dúvidas do que dizer ao ex e quase novo presidente:
“Tenha muito amor, muito amor na maneira de considerar tudo ao seu redor, todos os seus compromissos como governante, mas acima de tudo como ser humano, colocar tudo isso à frente de tudo e todos os processos que vão ser exigidos que você controle: processo político, processo econômico, processo social. Que você coloque o amor à frente de tudo isso.”
E também já tem opinião sobre as ações de Lula nessa fase de transição que está para acabar. “Acho que está indo bem sim. Já é um homem velho e, como diz Caetano, homem velho é o rei dos animais…”