Chegar a um consenso para reduzir os juros do rotativo do cartão de crédito, taxa mais cara do mercado que, anualizada, bate em 445,7%, segundo dados do Banco Central, não é uma tarefa simples. Trata-se de uma discussão complexa porque esse ecossistema financeiro envolve participantes com interesses e modelos de negócios diferentes: bancos, varejo, empresas de adquirência (de maquininhas de cartão), além do Banco Central, o regulador desse mercado.
O assunto ganhou destaque nos últimos meses com a formação de um grupo de trabalho formado por integrantes dessa cadeia para buscar uma solução. Já houve troca de farpas, especialmente entre os bancos e as chamadas “maquininhas independentes” (não ligadas a bancos), acusadas de se beneficiar do alto endividamento das famílias. Já os bancos afirmam que mantêm os juros em patamar elevado por causa de uma inadimplência de 50% nessa linha de crédito e devido ao parcelamento sem juros – uma ilusão, já que sempre há juros embutidos nos preços.
“Precisamos chegar em um modelo em que o consumidor tenha um conjunto de alternativas eficientes, competitivas e sustentáveis para financiar o seu consumo. É preciso sentar à mesa e colocar quais são as perdas possíveis para cada um dos participantes. Não dá para perpetuar o modelo atual, que estimula o superendividamento”, afirma Issac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que defende a manutenção do chamado “parcelado sem juros”, mas com reequilíbrio das condições.
A entrada de novos bancos digitais e fintechs no sistema financeiro aumentou em cinco vezes o número de cartões de crédito nos últimos cinco anos. Mas o maior número de competidores não se traduziu em queda de juros na ponta dos clientes, embora tenha contribuído para a inclusão financeira de parte da população desbancarizada, afirmou Vinicius Carrasco, diretor-executivo da Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag). Para ele, o consumidor não recebe informações sobre quanto paga de juros no cartão.
“É preciso estimular a competição e, quando não se consegue, existe um regulador. Acho que o tabelamento de juros pode ter um efeito deletério. O marco das garantias [que facilita o uso de garantias na tomada de crédito] e o estímulo à portabilidade são medidas estruturais que vão na direção correta.”
Educação financeira
“O debate sobre os juros do rotativo do cartão é uma preocupação real e precisa ser feito, mas também traz uma oportunidade de discutir com a sociedade qual é o modelo que queremos para este segmento de crédito para os próximos anos”, disse Raul Moreira, membro da diretoria da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).
“Certamente queremos um modelo de concorrência, de inclusão e de educação financeira. O que preocupa são alguns movimentos legislatórios que visam estabelecer teto de juros. Esse é um erro profundo porque vai contra o processo de livre concorrência”, observou Moreira, referindo-se à aprovação pelo Congresso de um teto de juros para o rotativo, estabelecendo que a dívida poderá no máximo dobrar no período de um ano. Se o grupo de trabalho não oferecer antes do fim do ano alternativas para a queda de juros, ficará valendo o teto.
Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, observou que o juro do rotativo é um problema complexo e que se buscam soluções simples e erradas. Ele lembrou que o consumidor não vê os muitos elos dessa cadeia e que há diferentes taxas sendo cobradas entre cada participante. Mexer numa das pontas, segundo o secretário, pode ocasionar problemas na outra ponta e trazer uma solução ainda pior.