A reforma política de 2017, que buscou punir partidos com comportamento fisiológico, reduziu o número de siglas menores e concentrou recursos e poder nas mãos dos partidos médios do chamado “Centrão 2.0”, grupo reunido em torno de demandas clientelistas, em detrimento de uma agenda ideológica.
A conclusão é do estudo “Do fisiologismo ao poder: as reformas eleitorais e o centrão 2.0”, dos cientistas políticos Graziella Testa (FGV), Lara Mesquita (FGV) e Bruno Bolognesi (UFPR), que buscou apresentar pela primeira vez uma definição acadêmica de como se compõe o Centrão – termo recorrente no jargão jornalístico – e descobrir se houve mudanças no perfil dos deputados federais a partir das reformas de 2007 e 2017.
A terminação “2.0” se refere à história da expressão “Centrão”, usada pela primeira vez no processo constituinte de 1987-1988 no Brasil, quando nasceu um bloco parlamentar de reação ao protagonismo da esquerda durante o debate sobre a Constituição Federal. Já o Centrão atual reaparece quando o “baixo clero” é alçado ao poder na Câmara dos Deputados, na transição dos mandatos de Dilma Rousseff, entre 2014 e 2015, em especial na figura do ex-deputado federal Eduardo Cunha, que chefiou a Casa no processo de impeachment da então presidente.
O conservadorismo permanece como uma característica distintiva do Centrão, diz o estudo, baseado em dados da literatura acadêmica que o coloca no campo da direita. Apesar disso, outras legendas desse campo ideológico, como o PSDB e o Novo, não se enquadram na categoria, por serem partidos “minimamente programáticos”.
Definição
Os pesquisadores partiram de três conjuntos de dados para chegar à definição de “Centrão 2.0”: questionário respondido por 379 cientistas políticos, análise da carreira dos deputados federais e informações sobre o comportamento das bancadas partidárias na Câmara. A pesquisa com a comunidade brasileira de cientistas políticos, que deu o pontapé na investigação, chegou a nove siglas do Centrão, de acordo com os acadêmicos: PP, Republicanos, PL, PTB, MDB, União Brasil, Patriota, Podemos e PSD.
Nem todas essas siglas, no entanto, demonstram o mesmo caráter ideológico, segundo a pesquisa. Quando se observa os comportamentos dessas legendas tanto na disputa eleitoral quanto na atuação legislativa, quatro partidos se encaixam de forma unânime na categoria: PSD, Podemos, PP e o Republicanos. Bolognesi os chama de “núcleo duro” do Centrão.
Os pesquisadores identificaram que deputados federais do Centrão demonstram menos fidelidade partidária, a partir de dados, segundo os quais, esses parlamentares se filiam em média a mais siglas do que os demais antes de se elegerem (2,05 contra 1,67). Também é menor a proporção dos deputados do Centrão que ocupam cargos na direção de seus partidos (29,6% contra 36,9%), e a proporção dos que atuam na liderança de suas bancadas (9% contra 18,8%), se comparados a parlamentares de partidos mais ideológicos.
Parlamentares do Centrão têm menos vínculo com a sociedade civil (47,7% contra 57,6%) – como igrejas, sindicatos, clubes, grupos empresariais –, e mais frequentemente pertencem a clãs políticos (28,3% contra 20,1%). Também participam menos de projetos coletivos: lideram menos frentes parlamentares durante o mandato (0,23 vez por mandato contra 0,33).
Menor lealdade
Os dados apontam que se trata de parlamentares “com lealdade menor às legendas das quais faziam parte, ainda que se possa afirmar que lealdade partidária não seja um traço forte do sistema político brasileiro”, na avaliação dos pesquisadores.
O ano de 2007 foi um marco divisório na apreciação dos dados levantados. A Justiça Eleitoral mudou o entendimento, até então vigente, e passou a reconhecer que o mandato de candidatos eleitos pela regra proporcional pertence ao partido. Assim, em caso de desfiliação ou filiação a outra legenda, o mandato volta para o partido político.
A decisão inaugurou uma nova forma no comportamento parlamentar: as legendas passaram com mais frequência a liberar a bancada para votar conforme quiser, isto é, quando o partido não fecha questão sobre determinada votação, permitindo a autonomia individual sobre aquela questão.
A liberação de bancada denotaria, na visão dos pesquisadores, uma “estratégia fisiológica e pragmática” por parte das lideranças que, diante de um tema que gera divisões internas, optam por não fechar questão e desagradar membros da legenda. Não havendo conflito acerca do tema em questão, a liderança partidária prefere o comportamento estratégico ao convicto: permite que sua bancada se divida sem que isso repercuta em punições aos parlamentares. (Estadão Conteúdo)