Ícone do site Jornal O Sul

Rei Charles III deve fazer abertura gradual e segura, buscando elo com novas gerações

Monarca deve adotar pequenas reformas. (Foto: Reprodução)

Entre o luto e a frenética agenda de compromissos que se exige de um rei, Charles III deixou claro que a realeza britânica já vive novos tempos. Ele será o elo de ligação entre a geração da mãe e a do filho William, de 40 anos, o próximo na linha sucessória, que tem sido apresentado como a cara da monarquia moderna. Não por acaso o filho mais velho de Charles e da princesa Diana, feito príncipe de Gales apenas dois dias após a morte da avó, tem tido destaque nos principais momentos da coreografia da transição.

Pequenas reformas devem preparar terreno para o futuro. Nada muito radical por enquanto — o próprio Charles reiterou no primeiro dia como soberano que o papel e valores da instituição devem persistir. Mas a ideia é garantir que a monarquia não perca a conexão com o mundo real e nem com o virtual. A era da internet potencializa gestos, por menores que sejam.

Por isso, aos 73 anos, homem, branco e dono de grande fortuna, Charles tem o desafio de representar uma sociedade multicultural, como ele mesmo destacou nas primeiras palavras à nação. Em 1951, segundo o primeiro censo realizado depois da Segunda Guerra, mais de 98% da população da Inglaterra era branca. No censo de 2019, o percentual foi de 78,4%. Quase 40% da população de Londres hoje nasceram no exterior.

Charles também tem insistido em se posicionar como defensor da liberdade de religião, outro sinal de que está ciente das mudanças por que passou o reino nas sete décadas do reinado da mãe. Os monarcas ingleses são chefes da Igreja Anglicana. Só que seus praticantes hoje são uma minoria. Se 51% dos ingleses se declaram cristãos, estima-se que os seguidores do anglicanismo não passem de 12% da população. Enquanto isso, 38,4% afirmam não ter religião.

O novo perfil da sociedade era um desafio esperado depois de tanto tempo — Elizabeth II teve o mais longo reinado da História do Reino Unido. Mas o atual momento de transição é também marcado pela queda da popularidade do regime monárquico, sobretudo entre os jovens. O apoio à monarquia é de 64% da população, segundo pesquisa do YouGov realizada na semana passada. Dez anos atrás, esse percentual era de quase 75%. Um em cada quatro jovens (40%) apoia o sistema, enquanto quase 30% são contra.

Charles, que está longe de ter o carisma da mãe, ou do filho mais velho, parece ter ganhado um voto de confiança dos súditos nos últimos dias. Na média nacional, 63% das pessoas acham que fará um bom reinado —o percentual era de 39% em março. Os jovens estão menos otimistas. Menos da metade deles espera que se saia bem como rei, segundo a mesma sondagem do YouGov. Entre as pessoas com mais de 65 anos, o apoio sobe para 78%. Ainda assim, cerca de 35% dos entrevistados acham que deve passar a coroa para William.

Discuso em galês

Isso explica, em boa medida, por que Charles foi às ruas apertar as mãos de súditos e admiradores em Londres e em Belfast, capital da Irlanda do Norte. No País de Gales, na sexta-feira, falou um minuto e meio em galês, algo inédito para um monarca. São toques de informalidade em um reinado que pretende ser menos pesado na forma. Diz-se que a cerimônia de coroação do novo rei, ainda sem data marcada, deve ter menos fausto do que as anteriores. Como já se viu, William também ganhará mais protagonismo.

Professor da Universidade de Strathclyde e pesquisador do Centro Nacional para Pesquisa Social, John Curtice afirma que Charles III terá de saber dialogar com a chamada geração Z. Isso será um grande desafio. Mas Curtice destaca uma curiosidade interessante. O apoio à monarquia pelos mais jovens é tradicionalmente mais baixo do que entre a população mais velha. Já era assim desde a década de 1980. Isso significa que, na medida que a população envelhece, passa a ser mais simpática ao status quo, o que pode ser uma boa notícia para a realeza.

Para David Lawrence, pesquisador do Instituto Real para Relações Internacionais do centro de estudos Chatham House, tende-se a associar a monarquia com o passado. Mas ele destaca que o reinado de Elizabeth II, que começou em 1952, também foi um elo entre gerações.

Não resta dúvida de que há muito o que se discutir neste reino. E que o sistema monárquico estará sob intenso escrutínio, sobretudo em um momento em que o país vive uma crise energética sem precedentes e a inflação mais alta dos últimos 40 anos. Tudo isso azeda a boa vontade geral.

Sair da versão mobile