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Por Redação O Sul | 18 de junho de 2022
Em 1994, a sede do TRE no Rio de Janeiro foi alvo de protestos pelas suspeitas de fraudes durante a apuração de votos.
Foto: ReproduçãoNum período em que o processo eletrônico de votação, instituído nas eleições municipais de 1996, é alvo de campanhas de descredibilização no Brasil, um olhar em retrospectiva sobre as eleições pré-urna eletrônica mostram o anacronismo dos tempos da cédula de papel. Do ponto de vista de muitos eleitores, era difícil votar. Para quem trabalhava na contagem, o processo não raramente provocava exaustão. Os fiscais tinham dificuldades de evitar fraudes. Os resultados demoravam a sair. Tudo era uma grande dor de cabeça.
O eleitor recebia as cédulas e as preenchia em uma cabine de papelão. Para os cargos majoritários, como presidente, governador e prefeito, os nomes já estavam listados em ordem previamente sorteada, e bastava marcar um “x”. Para o Legislativo, era preciso escrever por extenso o nome, apelido usado na campanha ou número do candidato, missão nem sempre fácil num País com um contingente de analfabetos e semianalfabetos, o que causava um grande contingente de votos nulos involuntários.
Os principais riscos de fraude se concentravam na apuração. A contagem de votos levava dias e era feita por escrutinadores, convocados pela Justiça Eleitoral e monitorados de perto por fiscais dos partidos. Nesta etapa, só era permitido usar caneta vermelha, em contraste com azuis e pretas usadas pelos eleitores para votar. As urnas eram conduzidas às chamadas “juntas de apuração”. O processo ocorria, via de regra, em ginásios esportivos ou em fóruns judiciais. O boletim gerado para cada urna era levado para a conferência. Em seguida, os dados eram levados à digitação, para serem computados.
“A apuração levava três ou quatro dias. Havia um desgaste das pessoas, que eram cidadãos nomeados para fazer esse serviço. Começava 7h da manhã e ia até 22h, meia-noite, às vezes entrava pela madrugada. No dia seguinte, o pessoal estava lá de novo”, lembra Andréa Carvalho, que atua no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio desde 1992.
Eleições que eram partos
A possibilidade de fraudes ampliava a tensão. Longas discussões, contestações e pedidos de recontagem faziam parte da rotina. No período de votação, as “urnas grávidas”, que já traziam cédulas preenchidas antes do início do pleito, representavam o maior risco. Separar os votos fraudados dos autênticos era um desafio. Já na apuração, umas das táticas ilegais, segundo registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), envolvia adaptar a caneta para que uma extremidade tivesse tinta vermelha e a outra azul. Assim, votos em branco eram preenchidos. Cédulas que continham apenas os nomes dos candidatos também recebiam o número de outro. Havia ainda casos em que um escrutinador cantava o número errado para quem fazia os mapas de apuração. O contrário também ocorria. O responsável pelo mapa alterava o voto cantado pelo colega.
Não é difícil encontrar nos jornais da época registros de escrutinadores presos em flagrante. Em 1990, o jornal O Globo noticiou o caso de uma zona eleitoral de São Gonçalo em que dois escrutinadores foram denunciados por colegas. Autoridades recorreram a exames grafotécnicos para confirmar fraude — o que era praxe naquele período.
Votos na lata do lixo
As eleições gerais de 1990 e 1994 terminaram com votos anulados e exigência de novos pleitos. Em 1994, no Rio de Janeiro, o primeiro turno foi cercado de problemas, especialmente na 25ª Zona Eleitoral. O então juiz eleitoral Luiz Fux, presidente da zona, não escondia o tamanho do desafio: “Para cada dois passos que damos, a fraude nos faz recuar quatro”, resumiu à época o hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, que constatou diversas fraudes na zona eleitoral que presidia e, ameaçado, teve de andar sob escolta. Após duas semanas de contagem e recontagem das cédulas, o TRE-RJ ainda não era capaz de determinar quem deveria assumir as 46 cadeiras de deputado federal e as 70 de deputado estadual. A saída foi anular os votos ao Legislativo nas mais de 6 milhões de cédulas e chamar novas eleições.
Quatro anos antes, em Alagoas, a Justiça Eleitoral tinha anulado 55 mil votos no primeiro turno. Os casos de 1990 e 1994 foram a gota d’água para que a Justiça Eleitoral decidisse desenvolver uma alternativa ao voto impresso.
“Vapt-vupt”. Foi assim que a professora aposentada Vera Bernades, de 72 anos, definiu a primeira votação com a urna eletrônica, em 1996. Secretária em uma seção eleitoral de Copacabana, ela só viu vantagens na mudança: “A urna tornou todo o processo mais rápido. Lembro de uma senhora que no dia da votação disse: ‘Consigo mexer no meu microondas. Por que não conseguiria usar a urna?'”.
Confiança conquistada
O cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda com o diagnóstico. Nas eleições de 1998, Nicolau encontrou o terreno perfeito para comparar os dois modelos, já que parte dos municípios continuou a usar as cédulas de papel. Sua conclusão foi: as urnas eletrônicas reduziram em 52% os votos nulos para a Câmara dos Deputados.
“O eleitor com menor escolaridade não conseguia votar, sobretudo para deputado, porque tinha que escrever o nome do candidato. Com a urna eletrônica, houve redução do voto nulo ou branco. Ao longo do tempo, ela se mostrou mais eficiente no processamento da vontade dos eleitores do que a célula de papel”, conclui.
Nem mesmo o presidente do TSE na época imaginava que a iniciativa daria tão certo. O ministro Marco Aurélio de Mello, hoje aposentado do Supremo Tribunal Federal, “não disfarçava seus temores quanto ao êxito do projeto”, como contou. O historiador Fernando Perlatto, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), diz que a novidade era motivo de preocupação também para a classe política. Passado o período da novidade, as urnas eletrônicas se incorporaram à tradição eleitoral brasileira sem registro de problemas.
“A desconfiança com a urna no início tinha a ver com a própria novidade do processo e vinha tanto de setores conservadores como de progressistas. Vale lembrar de Leonel Brizola. Todas as inovações no sistema político geram desconfiança dos atores políticos, o que é normal. Mas agora temos como novidade um ataque sistemático por parte do próprio presidente da República, eleito por esse processo eletrônico, com a participação de setores das Forças Armadas. A gente não tinha visto isso de modo expressivo na experiência pós-Constituição”, diz Perlatto.