A farmacêutica Gilead Sciences confirmou que o novo medicamento injetável lenacapavir, aplicado apenas duas vezes ao ano, conseguiu prevenir 100% das infecções pelo vírus da aids (HIV) na fase 3, a última, em teste clínico. Os resultados positivos do fármaco já haviam sido divulgados, mas agora têm publicação oficial na revista científica “The New England Journal of Medicine”.
O medicamento, que é vendido com o nome comercial de “Sunlenca”, já tem o aval das agências reguladoras, mas para o tratamento de casos de HIV multirresistentes, e não como estratégia de prevenção. No novo estudo, avaliou-se o seu uso como uma profilaxia pré-exposição (PrEP) – ou seja, uma terapia destinada a pessoas em maior risco de contato com o HIV para evitar que sejam contaminadas caso expostas ao vírus.
A estratégia de uso do PrEP contra o HIV não é algo novo, mas é feita atualmente por meio de comprimidos ingeridos diariamente. Essa modalidade também apresenta alta eficácia – que chega a ser superior a 90% – e está disponível inclusive no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017.
Porém, o imunizante envolve desafios como a adesão diária às drágeas, necessária para a alta eficácia. Por isso, laboratórios têm desenvolvido versões de longa duração, que possam ser administradas apenas algumas vezes ao ano. Até então, a opção mais avançada era o cabotegravir, da GSK, que precisa ser aplicado somente a cada dois meses e chegou a ser aprovado pela Anvisa em junho do ano passado.
Os novos resultados da Gilead Sciences mostram que o lenacapavir também consegue prevenir a infecção pelo HIV, só que permitindo um intervalo de tempo significativamente maior entre as doses: são necessárias somente duas aplicações a cada 12 meses.
Embora o remédio seja uma injeção para prevenir uma doença infecciosa, ele não é uma vacina. Isso porque o lenacapavir, assim como a PrEP em comprimidos, não induz o sistema imunológico a produzir defesas próprias contra o HIV. Ele é um antiviral que bloqueia os “caminhos” que o vírus utiliza para se replicar e, para isso, precisa permanecer em constante circulação no organismo.
De forma mais detalhada, uma vacina é algo feito com algum material genético de um vírus ou bactéria, geralmente proteínas enfraquecidas ou inativadas, para que o sistema imune o reconheça a partir daquele fragmento e, com isso, passe a produzir anticorpos e células de defesa contra ele. Em outras palavras, simula a exposição àquele agente infeccioso para gerar a resposta imune.
Dessa maneira, no momento em que o organismo entrar em contato com aquele vírus ou bactéria, ele já terá uma proteção própria, pois o sistema imune já “conhece” aquele agente, e poderá se defender. Já no caso da PrEP, a substância utilizada não induz essa resposta ativa do sistema imunológico.
Ela é um medicamento antiviral que é usado também para tratar pessoas que já vivem com a infecção. Aqui a ideia é manter a droga em constante circulação no sangue para, se a pessoa entrar em contato com o vírus, ela já estar presente e rapidamente impedir a sua replicação, antes que ele consiga causar uma infecção.
Por isso, caso a administração da PrEP seja interrompida, a proteção desaparece. Já as vacinas, por outro lado, podem até demandar novas doses de reforço para elevar a resposta do sistema imune ao longo do tempo, mas a proteção em algum nível se mantém duradoura.
Controle da epidemia
Mesmo assim, devido à alta eficácia e a necessidade de poucas doses ao ano, o pesquisador de medicamentos antirretrovirais da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, Andrew Hill, disse à AFP que o lecanapavir é “basicamente como se tivéssemos uma vacina”. Além disso, afirmou que o amplo acesso das populações de maior risco ao medicamento poderá levar a um “controle da epidemia” de HIV.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) também emitiu um comunicado em que disse “receber com entusiasmo os resultados” e que a inovação “oferece esperança de acelerar os esforços para acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública até 2030”.
Isso porque uma profilaxia que tenha a adesão mais fácil pode levar o mundo mais próximo às metas do programa da ONU. Algo necessário já que, embora as lideranças mundiais tenham se comprometido a reduzir as novas infecções anuais pelo HIV para menos de 370 mil até o ano que vem, em 2023 houve 1,3 milhão de novas pessoas diagnosticadas, mais de três vezes o objetivo atual.