Segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 1 de novembro de 2024
Aos 77 anos, a atriz Renata Sorrah está em cartaz com a peça “Ao Vivo [dentro da cabeça de alguém]”, inspirada em Chekhov e com ingressos gratuitos. Em uma entrevista recente, ela falou sobre como está aprendendo a envelhecer, relembra ‘Vale Tudo’ e a personagem Nazaré e reflete sobre a carreira
1. Em “Ao Vivo”, você faz apenas uma referência da sua carreira, citando Fernanda Montenegro e Juliana Carneiro da Cunha, com quem você dividiu a cena na clássica montagem de ‘Lágrimas Amargas de Petra von Kant’, em 1982. Por quê?
Porque, naquela época, eu me sentia comendo pastel na feira do Olimpo (risos). É uma lembrança de que o público de uma certa idade tem imensa saudade, pois foi uma comoção. Era a história de seis mulheres em um momento em que os sentimentos femininos não eram tão discutidos.
2. Você não pensou em citar alguma personagem de novela?
Não me passou pela cabeça porque todo mundo já saberia do que se tratava, eu queria uma lembrança do teatro. E não tenho nenhum ressentimento contra essas personagens da televisão. Talvez só a mulher do meme, que é como a Nazaré, de Senhora do Destino (2004), é conhecida hoje porque as novas gerações só conhecem a Nazaré pelo Instagram e pelos memes, especialmente o Nazaré Confusa. Só uma vez essa lembrança me incomodou. Foi em Curitiba, durante o festival de teatro. Passei por um bar onde estavam alguns jovens e um deles gritou: “olha a mulher do meme!”. Meu deus, eu estava lá com uma peça séria, dando duro, e sou reconhecida como a mulher do meme (risos). Mas em geral eu gosto, porque é uma personagem que interpretei há 20 anos e continua lembrada, a chama continua acesa.
3. Na verdade, os memes fazem sucesso até no exterior.
Sim, tenho uma sobrinha que mora em Nova York e o meme lá é conhecido como Math Lady ou Confused Lady. O dentista dela quase teve um troço quando soube que a Nazaré é tia dela (risos). E o meme até foi usado durante a campanha presidencial americana de 2016, quando o associaram a Hilary Clinton (foi uma piada sobre o debate dela com Donald Trump).
4.Você fica incomodada por ser lembrada por personagens assim? Beatriz Segall não gostava de sempre ser associada a Odete Roitman, a vilã de ‘Vale Tudo’ (1988).
Sim, ela não gostava e eu entendo. Mas eu não me importo, não me incomodo. Porque sei que é algo inerente à televisão. Então, me acostumo.
5. Aliás, já foi anunciado para o próximo ano o remake de ‘Vale Tudo’, na qual você interpretou a inesquecível Heleninha Roitman, filha alcoólatra da vilã. O que pensa disso?
Confio que será um bom remake, é o que está parecendo. Isso porque o plano é seguir a ideia do original, ou seja, apresentar um retrato detalhado do Brasil do momento. (O autor) Gilberto Braga foi genial, foi preciso na crítica da sociedade brasileira da época. O mesmo deve acontecer agora. Outro fator positivo é que o remake deverá ter atores negros em papéis de destaque, o que não aconteceu em 1988. Também haverá mais respeito pelo casal homossexual – na época, eram duas mulheres, o público não aceitou e uma delas acabou morrendo. Agora é diferente.
6. O papel de vilão de uma história normalmente é cobiçado por atores e atrizes porque a vilania, na arte, é estimulante. Você também tem essa preferência?
Não tenho. Na verdade, não me lembro de ter interpretado alguma vilã – talvez apenas Karen, de Petra von Kant, porque era inescrupulosa. Mas eu a interpretava sem pensar dessa forma. Fiz, sim, mulheres neuróticas como a Nazaré, mas era engraçada, tinha humor, tudo dava errado para ela, não era aquela vilã típica.
6. Aos 77 anos, como você lida com o fenômeno social complexo que consiste em discriminar ou ter preconceito contra pessoas com base na idade?
É uma forma de violência porque é um preconceito. Estou aprendendo a envelhecer. É difícil porque não é fácil aceitar. Acho estranho quando uma pessoa diz que é muito bom ficar velho. Não, não é. As escolhas que você normalmente faz, ou não, mudam. Também é diferente a forma como você se coloca no mundo, nas suas relações. É uma transformação muito grande, que exige também muito esforço. O ideal é aproveitar as coisas ótimas. Por sorte, tenho uma profissão muito acolhedora, que me permite ficar velhinha e ainda continuar trabalhando.