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Repasse do dólar aos preços está maior que o normal e eleva a preocupação com a inflação

Os preços atualmente têm refletido o movimento do dólar entre julho e outubro. (Foto: EBC)

Um dólar ao redor de R$ 6 por si só já é motivo de preocupação com a inflação, mas o momento atual exige ainda mais cuidado. Isso porque o repasse da desvalorização da moeda brasileira para os preços ao consumidor está mais forte. O chamado pass through (o repasse da taxa de câmbio aos preços dos produtos) maior decorre da atual dinâmica da economia brasileira, que tem crescido acima de sua capacidade. Além disso, incertezas com os rumos da política fiscal e a própria trajetória da inflação adicionam mais cautela ao cenário, turbinando o efeito da moeda nos itens vendidos ao consumidor.

O repasse do câmbio foi mencionado pelo Banco Central na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de dezembro, que elevou a Selic para 12,25% ao ano e indicou mais dois aumentos de 1 ponto porcentual. No texto, o colegiado citou que o repasse “aumenta quando a demanda está mais forte, as expectativas estão desancoradas ou o movimento cambial é considerado mais persistente”.

“A economia parece ter vários desequilíbrios atualmente, com destaque para uma demanda que está esticada em relação à oferta”, reforça o economista da consultoria Quantitas João Fernandes. “Começa-se a antecipar que haverá efeitos inflacionários, mas ninguém sabe ao certo o tamanho deles. Com um ambiente de dólar alto, as pessoas (formadores de preço) pensam: ‘eu não sei quanto mais esse dólar vai subir, mas isso vai virar custo para mim, então é melhor eu repassar essa desvalorização cambial logo’”, diz.

No modelo de projeção de inflação, ele trabalha com um pass through do câmbio entre 8% e 10%. Isso significa que uma desvalorização do câmbio de 10% pode levar, no limite, a um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de quatro trimestres à frente 1 ponto porcentual mais alto. “Até mais ou menos 2021, esse repasse era mais baixo, entre 6% e 7%”, aponta.

Fernandes ressalta, contudo, que há gradações diferentes desse repasse, a depender do tipo de item, já que nos alimentos (14%) e bens industriais (8%) a tendência do repasse é muito mais forte do que nos serviços (2%).

O economista da Terra Investimentos Homero Guizzo tem uma análise semelhante, já que, segundo ele, em momentos em que a economia opera muito próxima ou acima de sua capacidade, como o atual, é natural que a desvalorização do câmbio seja repassada com mais rapidez e força aos preços ao consumidor. “Se o hiato do produto (o quanto a economia cresce acima da capacidade) efetivo estivesse um pouco acima, e não expressivamente acima, a depreciação seria absorvida nas cadeias de distribuição mais facilmente”, afirma Guizzo.

Ele calcula que o pass through da desvalorização cambial costumava ficar em torno de 4%, mas, no ambiente atual está em 8%. Ou seja, a cada 10% de desvalorização da moeda, o headline do IPCA aumenta 0,8 ponto porcentual, estimativa próxima a da Quantitas.

Ela conta que um estudo feito pela Warren mostrou que a defasagem de movimentos de desvalorização cambial para os preços ao consumidor, que no período pré-pandemia durava até quatro trimestres, hoje tem ocorrido praticamente dentro de apenas um trimestre, ao menos numa cesta específica de itens, que tem correlação mais forte com a cotação do dólar. A cesta inclui principalmente bens como móveis, eletroeletrônicos e itens de higiene pessoal e limpeza.

“Entendemos que esse momento de repasse maior e mais rápido pode ter a ver com essas variáveis, como economia sobreaquecida e as expectativas de inflação mais elevadas”, comenta Ângelo.

Ela destaca ainda que os preços atualmente têm refletido o movimento do dólar entre julho e outubro, de cerca de R$ 5,55 para a casa de R$ 5,80. A desvalorização mais recente do câmbio, de R$ 5,80 para acima de R$ 6, portanto, só deve ser sentida a partir dos meses iniciais de 2025, afirma. A Warren projeta IPCA de 4,9% em 2024 e de 5,15% ao final do ano que vem.

A análise é corroborada por Fernandes, da Quantitas: “O grosso do efeito da última desvalorização vai pegar na inflação ao longo de 2025, com bens e alimentos sendo os vilões. Os serviços já estavam altos e vão continuar altos”, diz o economista. Ele trabalha com um cenário em que o IPCA sai de 4,8% no fim de 2024 e vai a 5,5% no encerramento de 2025. “Esse 0,7 ponto a mais majoritariamente reflete alimentos e bens, que é aquilo que está sendo muito influenciado pelo câmbio”, emenda. (Estadão Conteúdo)

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