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Reza o artigo 53 da Constituição que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”

Nikolas Ferreira diz que Lula e Bolsonaro são "líderes carismáticos". (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado Nikolas Ferreira por crime contra a honra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em discurso na ONU (Organização das Nações Unidas), Ferreira disse que Lula é um “ladrão que deveria estar na prisão”.

Ferreira pode ser um demagogo, mas é um demagogo com imunidade parlamentar. Reza o art. 53 da Constituição que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. “Quaisquer”, sem adversativas, restrições ou qualificações. Não bastasse a prerrogativa parlamentar, a denúncia agride a liberdade de expressão mesmo de cidadãos comuns.

Nas democracias liberais, a jurisprudência garante proteções reforçadas a críticas a autoridades públicas e exige dessas autoridades maior tolerância. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, afirma que “aqueles que têm influência em questões de interesse público expuseram-se voluntariamente a um maior escrutínio público e, consequentemente, correm maior risco de crítica, à medida que as suas atividades saem do domínio da esfera privada e entram na esfera do debate público”.

Críticas ácidas, agressivas ou hiperbólicas, e mesmo impropérios e xingamentos, são parte do debate político. Autores de livros como Honoráveis Bandidos, sobre a gestão Sarney, ou O País dos Petralhas, sobre as gestões petistas, nunca foram condenados ou censurados. O hoje vice-presidente Geraldo Alckmin já disse que Lula desejava “voltar à cena do crime” e ministros da Suprema Corte falaram em “quadrilha” a propósito da corrupção em gestões do PT.

“O direito à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis”, disse num voto na Suprema Corte em 2018 ninguém menos que Alexandre de Moraes, enfatizando que a crítica à pessoa pública, “por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade”, pois, “em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica”.

Por óbvio, essa excludente não é absoluta. O ex-deputado Daniel Silveira foi condenado à prisão, mas não por proferir “opiniões, palavras e votos”, e sim por tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes e coação no curso do processo. Políticos podem ser vítimas de calúnia. Seria o caso, por exemplo, de alguém que acusasse Lula de ser mandante do assassinato de Celso Daniel. Mas acusações genéricas são, para usar a linguagem popular, parte do jogo.

Lula, mesmo quando não tinha mandato, acusou e ainda acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de “genocida”. Ele e seus bate-paus correram o mundo acusando o ex-presidente Michel Temer de urdir um “golpe de Estado” com o Parlamento, sob a cumplicidade de um Judiciário cooptado pelas “elites” e pelos pérfidos “estadunidenses”. Será que a PGR vai se valer do mesmo rigor contra acusações de crimes muito graves ou o seu zelo é seletivo? (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)

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