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Ricos e pobres disputam cubículos em Nova York

Preço médio de apartamento em Manhattan beira 2 milhões de dólares. (Foto: Reprodução)

A uma plateia que pagou mil dólares por cabeça para um baile republicano, Donald Trump falava sobre o prédio que abriga o evento, o primeiro que reformou em Manhattan, na cidade de Nova York (EUA), no ano de 1980: o hotel Grand Hyatt. Do lado de fora, a aposentada Elizabeth Cooper, 68 anos, aplaudiu um protesto contra o pré-candidato à Casa Branca, no qual o rosto de Trump aparece em cartazes em formato de fezes com a frase: “Está tudo uma merda mesmo”. Ela conta que sua filha de 34 anos não sai de casa porque “os aluguéis estão ridiculamente caros”.

As duas racham 3,8 mil dólares (mais de 13 mil reais) por um estúdio a seis quadras da Trump Tower, onde o empresário mora em uma cobertura tríplex decorada em ouro e mármore. Uma canga divide o espaço entre mãe e filha, garantindo “alguma privacidade”. O drama não é só de Elizabeth. No último trimestre de 2015, o setor imobiliário em Manhattan estourou a champanhe. O preço médio de um apartamento na ilha beirou 2 milhões de dólares (7 milhões reais). E o drama não é só de Manhattan. “Boa parte do Brooklyn ficou ainda mais cara na última década. Bairros como Brooklyn Heights sofrem ‘hipergentrificação’, com bilionários expulsando os milionários”, diz Kennedy Gould, diretor do Programa de Sustentabilidade Urbana.

Nova York tem oferecido soluções exóticas para driblar sua crise habitacional. O site Common, por exemplo, cobra a partir de 1,8 mil dólares (mais de 6,3 mil reais) por um quarto em um de seus “apartamentos comunitários”, espécie de república deluxe, com Wi-Fi e “sala de entretenimento”. Já em 2012, o então prefeito, Michael Bloomberg, via nos microapartamentos a saída.

Após alterar leis municipais que proibiam lares menores do que 37 metros quadrados, ele anunciou o Carmel Place, edifício com 55 unidades de 23 metros quadrados a 34 metros quadrados (daquelas que o sofá vira cama à noite), entre 2 mil dólares (cerca de 7 mil reais) a 3 mil dólares (acima de 10 mil reais) mensais, na região central de Manhattan. Parte deles seria subsidiada (mas sem os projetos de decoração funcional de luxo) a 950 dólares (mais de 3,3 mil reais) mediante uma seleção. O professor da Universidade de Buffalo (EUA) Robert Silverman questiona essa ideia de “moradia popular”: “Isso não resolve o problema, pois foca em gente de renda média a alta”.

No Censo de 2010, a cidade tinha 1,8 milhão de lares com uma ou duas pessoas e só 1 milhão de domicílios com até um quarto. Hoje, um apartamento do tipo custa em média 3.280 dólares (11,6 mil reais) mensais, segundo o site do setor imobiliário Zumper.

Mudança drástica.
Nem sempre foi assim. Nos anos 1970, as pessoas queriam mais era sair de Nova York. Calcula-se que cerca de 800 mil foram embora. Na época, subiam taxas de criminalidade, desemprego e pobreza. Desciam, colateralmente, preços no mercado imobiliário.

Entre 1974 e 1980, o custo de casas na cidade caiu 12,4%, segundo o Furman Center, que pesquisa políticas públicas junto à Universidade de Nova York. A cidade não é perfeita hoje. Em 2011, relatório da Prefeitura estimou que 46% da população vivia próxima da linha da pobreza – cerca de 2,6 mil dólares mensais (cerca de 9 mil reais) para uma família com dois adultos e duas crianças. Pressões sobre moradia popular e gentrificação se tornam urgentes quando a média para alugar apartamentos de um só quarto supera 3 mil dólares mensais.

Para Kennedy Gould, do Programa de Sustentabilidade Urbana, é preciso fixar limites para o reajuste anual do aluguel ficar sempre abaixo do mercado – dificultando a expulsão de um inquilino para atrair outro que pague mais. Hoje, diz, cerca de 1 milhão de domicílios têm aluguel sujeito a um teto, “mas esse número vem caindo”.

O prefeito Bill de Blasio avançou na expansão de novas casas em março, quando o Conselho Municipal aprovou a primeira grande mudança em décadas na lei de zoneamento. O maior avanço, para especialistas, é só autorizar grandes projetos imobiliários que incluam unidades a preços populares.

No entanto, para o grupo Ban-Gentrification, que luta contra um Brooklyn gentrificado, medidas assim vêm com um risco. Ao permitir que empreendimentos de luxo construam moradias populares à parte, Nova York aceita uma segregação de “inquilinos por renda, o que desumaniza e discrimina quem ganha menos”. (Folhapress)

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