“Eu quero mais é asfalto e concreto, para pegar meu skate e sair por aí gastando minhas rodas, descendo e subindo ladeiras puxado por ônibus, dropar de muros, horrorizar o trânsito, achar transições para uma boa diversão, entrar na contramão, subir guias, etc. Por quê? Por que nós amamos isto, vivemos disto!!!”. Assim escreveu o skatista Fábio Bolota em matéria de 1986 da revista Overall.
Em agosto daquele mesmo ano, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros (1917-1992), daria sua primeira ordem para coibir o skate no Parque do Ibirapuera.
Dois anos depois, a ordem para reprimir viraria proibição oficial, posteriormente estendida para toda a cidade de São Paulo.
Como o skate no Brasil foi de prática transgressora, perseguida por políticos conservadores, a esporte campeão de medalhas nas Olimpíadas?
De origem californiana, a prática do skate chegou ao Brasil no final da década de 1960 e se popularizou na segunda metade da década seguinte, relata o historiador Leonardo Brandão, professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb).
“No início, os skatistas apenas deslizavam pelas ruas e calçadas imitando as manobras que os surfistas realizavam nas ondas do mar”, escreve o pesquisador, acrescentando que, por conta disso, o skate era mais conhecido na época como “surfe de asfalto” ou “surfinho”.
A partir de 1977, no entanto, a atividade passa por um “processo de esportivização”, conta Brandão, com o desenvolvimento de um mercado, publicações especializadas, pistas, campeonatos, equipes, marcas e empresas interessadas na sua promoção e profissionalização.
Até que, na década de 1980, surge uma nova forma de praticar o skate, que subvertia a lógica da atividade como prática esportiva: o street skate, ou skate de rua, em bom português.
“O street começa a perambular pelas cidades, principalmente em praças, onde existem bancos e corrimãos”, diz Brandão, em entrevista à BBC News Brasil.
O street skate se desenvolveu no Brasil misturado à cultura punk e com o mesmo espírito de transgressão e rebeldia.
“Eles [os skatistas] não se preocupam com a etiqueta social, nem com o sistema que tentam lhes impor. Criam uma anarquia urbana e circulam sem nenhum tipo de autoritarismo. São os filhos do futuro! Não se importam com comentários ou críticas, pois banalidades já estão cansados de ouvir. Eles pensam diferente do Status Quo e se comportam como tal.”
O trecho é de autoria de Paulo Anshowinhas, editor da revista Yeah! e foi coletado pelo historiador Leonardo Brandão.
“Existe uma bifurcação no skate: de um lado o skate praticado em rampas, associado à ideia de esporte e, posteriormente, de esportes radicais”, diz o professor da Furb.
“Agora, o skate na rua é considerado mais como uma espécie de uso da liberdade. Está mais perto do campo artístico, da criação, do que da competição, disciplina física e espaço instituído do esporte.”
Na São Paulo da década de 1980, os skatistas de rua tinham nas marquises do Ibirapuera seu local preferido, devido ao chão liso e à proteção que a cobertura oferecia em dias chuvosos.
O local porém tinha um vizinho careta: o prefeito Jânio Quadros, cujo gabinete estava instalado no Pavilhão Manoel da Nóbrega do parque, hoje sede do Museu Afro.
Pois, em agosto de 1986, o conservador Jânio Quadros dá as primeiras ordens para coibir a prática do skate no Ibirapuera, orientando a Polícia Militar a apreender os skates dos praticantes.
Após muitos atritos entre skatistas e policiais, a proibição efetiva é decretada em 19 de maio de 1988, em memorando impresso no Diário Oficial.
Anos depois, o panorama começou a mudar. Mulher, nordestina, solteira e marxista, Erundina surpreendeu o próprio partido ao ser eleita prefeita de São Paulo e, em um de seus primeiros atos, revogou a lei que proibia a prática de skate nas ruas da cidade.
A posse de Erundina foi em 1º de janeiro de 1989. No dia 8 daquele mês, numa matéria intitulada “Erundina começa a mostrar seu estilo”, o jornal O Estado de S. Paulo registrava: “skates ao Parque do Ibirapuera e a volta dos vendedores ambulantes à praça da Sé foram as mudanças mais visíveis na cidade de São Paulo, durante a primeira semana de mandato da prefeita Luiza Erundina”.
O trecho também foi colhido por Brandão e consta do artigo já citado.
Em entrevista à Folha da Tarde, publicada na edição de 16 de julho de 1990 sob o título de “Erundina: a prefeita que ama o skate”, disse a então petista:
“Eu me sinto comprometida com os skatistas da cidade […] Meu compromisso com eles é tão sério que ainda pretendo fazer parte de algum clube que reúna skatistas, embora já não tenha mais idade para fazer o mesmo que essa rapaziada maravilhosa de nossa cidade faz sobre um skate. Na nossa gestão vamos criar condições para que os adeptos deste esporte possam praticá-lo adequadamente.”
A partir da gestão de Erundina, o skate passou a ser menos marginalizado.
O processo de reconhecimento social chegou a seu ápice com a estreia como esporte olímpico nos jogos de Tóquio em 2021.
Em 2015, o Brasil somava 8,4 milhões de praticantes de skate, segundo pesquisa Datafolha, e a indústria nacional ligada ao esporte é considerada a segunda maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, cujo mercado é estimado em US$ 4,5 bilhões (R$ 23,3 bilhões) ao ano.
A forte presença da atividade no país se refletiu no quadro de medalhas do Brasil em Tóquio: Kelvin Hoefler ganhou a prata no street masculino, abrindo a contagem de medalhas do país naqueles Jogos Olímpicos.
A ex-prefeita Luiza Erundina cumprimentou Hoefler pelo feito no antigo Twitter e o atleta respondeu a ela: “Obrigado por acreditar no skate!”
No dia seguinte, foi a vez da maranhense Rayssa Leal fazer história, garantindo uma medalha de prata no street feminino e se tornando, aos 13 anos, a mais jovem desportista individual a ganhar uma medalha em Olimpíadas até então. As informações são da BBC News.