Quarta-feira, 05 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de junho de 2022
Depois de invadir a célula (estrutura verde da ilustração), o vírus (em vermelho) se replica e libera milhares cópias de si mesmo.
Foto: ReproduçãoOs vírus sempre foram encarados como grandes vilões da saúde – noção que se fortalece ainda mais durante uma pandemia como a que a humanidade vive, em que o causador da covid esteve associado a 20 milhões de mortes até agora.
Mas, dentro da oncologia, especialidade da medicina que lida com o câncer, alguns desses agentes infecciosos passam a ser vistos cada vez mais como aliados: os vírus podem se tornar uma ferramenta valiosa para tratar uma série de tumores, apontam especialistas.
Atualmente, diversos grupos de pesquisa avaliam a possibilidade de usar os chamados vírus oncolíticos como uma maneira de atacar diretamente as células cancerosas ou de incentivar uma resposta mais robusta do sistema imunológico contra essas unidades doentes.
O exemplo mais recente desse empreendimento científico é o CF33-hNIS Vaxinia, uma virusterapia desenvolvida pelo City of Hope, hospital localizado nos Estados Unidos, e pela farmacêutica australiana Imugene.
O produto traz agentes infecciosos da mesma família da varíola que foram modificados em laboratório para atacar especificamente as células tumorais.
Em testes pré-clínicos, feitos com amostras de células e cobaias, essa estratégia foi capaz de reduzir diversos tipos de tumores, como aqueles que aparecem no intestino grosso, nos pulmões, nas mamas, nos ovários e no pâncreas.
Resta saber se esse mesmo efeito acontece em seres humanos. No final de maio, os cientistas começaram os testes clínicos, que envolvem voluntários.
Na primeira fase dos estudos, que envolverá 100 pacientes, a meta é conferir se o produto, injetado diretamente no tumor ou aplicado por meio de infusões na veia, é realmente seguro e não provoca efeitos colaterais.
Os resultados do experimento devem sair em até 24 meses.
Ação dupla
Para entender como a virusterapia funciona na prática, precisamos antes saber como os vírus atuam na natureza.
Os vírus são patógenos extremamente simples, cuja única função se resume a invadir as células de um ser vivo e “sequestrar” aquele maquinário biológico para criar novas cópias de si mesmo. Essas novas cópias, por sua vez, vão repetir o processo enquanto durar a infecção.
Nesse rito de invasão, sequestro e replicação, as células afetadas pelos vírus não resistem e morrem.
A partir da observação desse mecanismo viral, alguns cientistas começaram a especular: será que não é possível utilizar o mesmo princípio para atacar somente as células que formam o tumor?
Essa é a premissa básica da virusterapia: encontrar na natureza, ou desenvolver em laboratório, patógenos que mirem especificamente nas células cancerosas.
E, ao investir nesse tipo de tratamento, é possível obter dois efeitos positivos diferentes.
“O primeiro deles é fazer com que o vírus invada a célula doente e a mate”, explica o imunologista Martin Bonamino, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
“O segundo é que alguns desses vírus modificados carregam genes específicos que geram anticorpos e estimulam o sistema imunológico do próprio paciente a reconhecer o tumor e passar a atacá-lo”, complementa o especialista, que também trabalha na Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz).