Como explicar uma continuação como “Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice”, lançada 36 anos depois do original, um dos maiores intervalos já registrados em Hollywood? Quando se trata de um filme de Tim Burton, não importa muito quanto tempo passou. Aos 66 anos (mais de 40 deles atrás das câmeras), o californiano se mantém como um diretor cult, graças à fascinação pelo macabro, à estética sombria, ao humor sarcástico e aos personagens incompreendidos e amaldiçoados de seu imaginário cinematográfico.
Um dos universos que seus muitos fãs mais insistiam para que Burton resgatasse nas telas era o de Beetlejuice. Besouro Suco, como é chamado na dublagem em português, é uma espécie de porteiro da escuridão que pode ser facilmente invocado: basta dizer o seu nome três vezes. Por ter sido lançado em 1988, antes de “Edward Mãos de Tesoura” (1990), que projetou Burton como um cineasta gótico internacionalmente, “Os Fantasmas Se Divertem” foi o título que adiantou o gosto fantasmagórico do diretor, o que se tornaria a sua marca.
Essa fantasia sombria carregada de bizarrices funcionou tanto do ponto de vista comercial quanto de crítica. Feito com apenas US$ 15 milhões, sua arrecadação mundial ultrapassou os US$ 74,7 milhões. Foi o que bastou para “Os Fantasmas se Divertem” inaugurar uma franquia, com uma série de TV de animação, um musical e videogames inspirados no fantasma fanfarrão.
“Mesmo amando o original, nunca entendi o sucesso alcançado e só conseguia vê-lo como algo pessoal, por mais que as pessoas pedissem [uma sequência]”, diz Burton, ao justificar tanta espera pela continuação, em encontro com jornalistas no Palazzo del Casinò, no Lido de Veneza, ilha na região do Veneto, na Itália.
Escolhido para inaugurar a 81 edição do Festival de Veneza, fora de competição, “Os Fantasmas Ainda Se Divertem” perde, em termos de hiato mais longo no cinema de live-action, para “O Retorno de Mary Poppins” (2018). A trama da babá com poderes mágicos foi retomada 54 anos depois do original. Mas talvez não seja um caso para comparação, já que a atriz Julie Andrews precisou ser substituída por Emily Blunt, o que descaracteriza uma continuação tradicional.
Parte da graça para Burton revisitar o mundo dos mortos de “Beetlejuice”, no filme que acaba de chegar às salas brasileiras, foi voltar a dirigir Michael Keaton, Catherine O’Hara e Winona Ryder. “De tempos em tempos, Michael, Winona e eu falávamos de uma sequência. Tenho sorte de gostar das pessoas com quem trabalho. Exceto Jack Palance, que me amedrontou em um dos meus primeiros filmes”, brinca Burton, referindo-se ao ator que encarnou o chefão do crime Carl Grissom em “Batman” (1989).
A ideia da sequência não foi necessariamente uma decorrência do fenômeno “Wandinha”, série que Burton dirigiu e produziu para a Netflix, inspirado na Família Addams. Trata-se do programa de TV falado em inglês mais popular da história da plataforma – foram 252,1 milhões de visualizações só na primeira temporada, lançada em 2022.
Para o papel de Wandinha, Burton convidou a atriz Jenna Ortega, também escolhida para reforçar o elenco de “Os Fantasmas Ainda se Divertem”. Astrid, sua personagem, é a filha de Winona Ryder, que interpretou Lydia no original, a adolescente gótica que vê fantasmas. Na trama anterior, Beetlejuice exige a mão dela em casamento ao ser chamado pela própria Lydia para ajudar fantasmas amigos presos em sua casa.
“Admito que me senti reenergizado ao fazer ‘Wandinha’. Caminhar pelas montanhas dos Cárpatos na Romênia (uma das locações) afeta qualquer um. Mas eu já pensava na continuação. Pensava sobretudo na personagem Lydia e o que poderia ter acontecido com ela, o que me fez refletir sobre a minha vida, sobre relacionamentos e sobre filhos”, diz Burton, sempre visto com roupas pretas e cabelos desgrenhados e grisalhos.
Na sequência, Lydia é uma famosa apresentadora de programa de TV sobrenatural que não consegue se entender com a filha, Astrid. Após a morte do pai de Lydia, ela se reúne com a madrasta, Delia (Catherine O’Hara), e com Astrid na antiga casa, onde acidentalmente o portal entre os vivos e os mortos é reaberto, permitindo que Beetlejuice apavore a vida de todos mais uma vez.
“Eu não faria uma sequência por dinheiro. Só por razões muito pessoais”, diz Burton, que não precisou rever o original para preparar o desdobramento da história. “Foi suficiente que eu me lembrasse do espírito. É uma obra muito emocional, um filme de família”, afirma o diretor, afastado do cinema desde o decepcionante “Dumbo” (2019), baseado no clássico Disney. “Ao me perder, percebi que só sou bem-sucedido fazendo o que amo e do meu jeito.’’
Michael Keaton, também presente na divulgação de “Os Fantasmas Ainda se Divertem” em Veneza, elogia o universo de Burton, que é forte o bastante para virar adjetivo: “burtonesque”. “São poucas as oportunidades para um ator participar de algo 100% original e único como aqui”, diz ele, à vontade na pele de Beetlejuice. “O personagem amadureceu. Está mais suave, atencioso, escrupuloso e politicamente correto do que antes.” As informações são do jornal Valor Econômico.