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Saiba por que é difícil enquadrar o atentado a bomba no Supremo como terrorismo

Francisco Wanderley Luiz morreu durante o atentado na noite do último dia 13. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, afirmou que a corporação trabalha com duas vertentes na investigação ao atentado à sede do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 13: tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e terrorismo.

O enquadramento da ação de Francisco Wanderley Luiz no crime de terrorismo, contudo, encontraria entraves na atual legislação, segundo especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo.

A Lei Antiterrorismo, sancionada em março de 2016, define como “terroristas” os atos cometidos com o objetivo de “provocar terror social ou generalizado”. Estão tipificadas as ações motivadas por “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. O rol de motivações não contempla fatores “políticos”.

O texto entrou em vigor no contexto da organização dos Jogos Olímpicos de 2016. “A principal razão de não ter se incluído um dispositivo nesse sentido (terrorismo por motivação política) é histórica. Durante a ditadura militar, esse termo, ‘terrorismo’, foi amplamente utilizado para a repressão de opositores ao regime. Havia a preocupação de que reivindicações políticas legítimas não pudessem ser enquadradas nesse termo”, explicou Álvaro Jorge, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.

Segundo o professor, essa preocupação está expressa quando a lei determina que o ato de terrorismo “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional”.

A opção também se relaciona com a conjuntura política do momento em que o projeto foi debatido. Enquanto os aliados da então presidente Dilma Rousseff (PT) receavam uma retaliação a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a oposição mantinha ressalva semelhante em relação às manifestações contra o governo da petista.

Para Acácio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP e coautor do livro “Lei Antiterror Anotada”, a não caracterização de terrorismo em atos de motivação política pode ser descrita como um “vácuo legal”.

“Acho que é um vácuo legal, mas é interessante a gente pensar que não vivemos um momento bom sob o ponto de vista legislativo. A polarização nos atrapalha em termos de discussões de qualidade legislativa. Então, por mais que esse vácuo exista, e ele inegavelmente existe, eu não sei se esse é o melhor momento para a gente discutir soluções para ele”, disse. Para Acácio Filho, o atentado do dia 13 se caracteriza como terrorismo na medida em que havia “uma finalidade de impor um temor social”.

Segundo André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp), uma eventual revisão da Lei Antiterrorismo pode ser motivada pelo contexto da “polarização política”. “Essas questões vão ficar cada vez mais recorrentes, acredito eu. Nós tivemos o 8 de Janeiro e essa situação agora. Acredito que o legislador brasileiro vai ter que se debruçar sobre essa questão”, afirmou o delegado.

Para Rafael Paiva, professor e advogado criminalista, a Lei Antiterrorismo é explícita ao excluir do rol de crimes do gênero os atos motivados por fatores políticos. “Em um entendimento de língua portuguesa, pode até ser considerado terrorismo. Então, num sentido lato (amplo), é um terrorismo. Mas, no sentido jurídico, não”, disse Paiva. “Não significa que esse tipo de conduta esteja desamparada legalmente, que não exista nenhum tipo de punição para essa conduta. Existe, por exemplo, o crime de explosão.”

Enquanto o crime de terrorismo prevê até 30 anos de reclusão, o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito prevê de quatro a oito anos de cadeia. A pena pelo crime de explosão, por sua vez, varia entre três e seis anos.

“A própria polícia fala em terrorismo. Mas, juridicamente, não há nenhuma chance. Etimologicamente, sim. Você pode analisar a conduta e falar que é um ato de terrorismo. A gente precisaria ter uma lei mais clara nesse sentido. O que a gente tem, hoje, é totalmente o contrário. A lei é muito clara no sentido de excluir as manifestações políticas da linha de terrorismo”, afirmou Rafael Paiva. “Acho que poderia haver uma nova discussão do assunto. Porém, num país hoje polarizado como o nosso, existem alguns tipos de discussões que são um pouco perigosas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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