Durante a viagem à China, o presidente Lula sugeriu a substituição do dólar por outras moedas em transações comerciais. Uma convenção que surgiu ainda na primeira metade do século XX.
Quando a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim, as economias dos países europeus estavam quebradas. Em 1944, europeus e americanos se reuniram na cidade de Bretton Woods, nos Estados Unidos, para discutir como seria o novo sistema monetário internacional – para trazer estabilidade econômica e equilibrar as transações internacionais.
Como os americanos tinham dois terços das reservas de ouro do planeta e o metal foi usado como padrão durante décadas, o dólar se impôs como moeda para as transações entre Estados Unidos e Europa. E, aos poucos, ultrapassou as moedas europeias no comércio internacional em todo o mundo, como conta Zoe Liu, especialista de política econômica do Conselho de Relações Internacionais, em Nova York.
“Em 1974, Estados Unidos e Arábia Saudita concordaram em cotar o petróleo em dólares. É o início da ideia do petrodólar, que levou à dominância da moeda americana que vemos hoje”, explica Zoe Liu.
Se os Brics decidissem substituir o dólar no comércio entre os países do grupo, provavelmente teriam que criar uma cesta de moedas. Segundo os economistas, funcionaria assim: cada moeda teria um peso diferente que correspondesse ao tamanho de economia de cada país. O yuan, da China, teria mais peso, porque é a segunda maior economia do mundo. A rúpia indiana viria em segundo lugar, seguida do real brasileiro, do rublo russo e do rand sul-africano.
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Na última quinta-feira (13), na China, o presidente Lula defendeu o uso de outras moedas – além do dólar – nas transações entre os integrantes dos Brics. E, no dia seguinte, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que existe uma discussão sobre o assunto nos Brics e no Mercosul.
“A ideia de você fazer um intercâmbio comercial em moedas próprias, sem recorrer a uma moeda de um terceiro, é uma coisa que está há muito tempo na mesa de negociação entre os Brics, no âmbito do Mercosul. Isso já foi tentado, prosperou com alguma celeridade no Mercosul. No período recente, isso retraiu barbaramente. Mas essa ideia volta à mesa para que possamos aprofundar esse tema e promover o intercâmbio comercial com base nessa filosofia”, explicou Haddad.
O diretor-adjunto do FMI para o Hemisfério Ocidental, Nigel Chalk, disse que, para se afastar do dólar, os Brics teriam que “ter mercados financeiros mais fortes”.
A professora Liu explica que, em vez de uma cesta, a moeda chinesa também poderia ser usada como referência no comércio entre os Brics. Mas ela diz que essa troca teria consequências para a economia americana: reduziria a capacidade de os Estados Unidos se endividarem emitindo títulos do governo americano – que são considerados investimentos extremamente seguros. No campo político, enfraqueceria, por exemplo, a capacidade dos americanos imporem sanções contra outros países, como é o caso da Rússia desde o início da guerra na Ucrânia.
“O dólar ainda é a moeda dominante, mas isso não significa que será assim para sempre. Neste momento, não há outra pronta para substituir o dólar”, opina Zoe Liu.