Os mercados globais testemunharam um evento sem precedentes na História: o preço do barril do petróleo cru americano caiu para – US$ 37,63 dólares na segunda-feira (20). Com isso, a commodity atingiu um preço negativo.
Ou seja, os vendedores estavam dispostos a pagar US$ 37,63 para os clientes que quisessem fechar contratos de compra de petróleo para maio e aliviar os estoques. Há um ano, o preço desse mesmo barril era de US$ 66.
A explicação para é razoavelmente simples: com a paralisação forçada da economia mundial para tentar conter a pandemia de coronavírus, a demanda por derivados de petróleo caiu drasticamente, as refinarias reduziram a compra de óleo cru para transformar em combustíveis e os estoques de petróleo aumentaram a ponto de os produtores americanos não terem mais onde estocar sua produção a partir de maio.
Há estimados 160 milhões de barris de petróleo em estoque em todo mundo. Os produtores americanos passaram a recorrer a navios-tanque alugados para abrigar essa produção, o que fez com que o preço da mercadoria desabasse.
Os contratos de venda de petróleo americano para junho também enfrentam uma queda significativa, mas são negociados em valores positivos, em torno de US$ 20 por barril.
Seis semanas de tensão no mercado
A instabilidade no preço do petróleo começou com o choque nos mercados globais por causa da pandemia de coronavírus, no começo de março.
Naquele momento, com a desaceleração das produções ao redor do mundo, a Arábia Saudita propôs aos produtores da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e à Rússia, que não faz parte do consórcio, que combinassem uma redução conjunta de sua produção para tentar conter a queda abrupta do preço da commodity.
O presidente russo, Vladimir Putin, não aceitou o acordo e, em retaliação, a Arábia Saudita, maior produtora global de petróleo, ordenou o aumentou de produção de 50% da estatal petroleira Saudi Aramco, o que levou a uma oferta gigantesca no mercado e à maior queda diária nos preços do barril desde a guerra do Golfo, em 1991.
O derretimento do mercado levou a Petrobras a perder R$ 91 bilhões em valor de mercado apenas no dia 9 de março.
Naquele momento, o presidente americano, Donald Trump, anunciou que via na queda dos preços uma boa oportunidade para encher as reservas estratégicas de combustível fóssil do país e tentar afetar o controle do preço da commodity ao mesmo tempo.
“Com base no preço do petróleo, também instruí o secretário de Energia a comprar, a um preço muito bom, grandes quantidades de petróleo bruto para armazenamento na reserva estratégica dos EUA”, disse Trump, em 13 de março.
“Vamos preenchê-lo até o topo, economizando bilhões e bilhões de dólares para os contribuintes americanos, ajudando nossa indústria de petróleo [e promovendo] esse maravilhoso objetivo – que alcançamos, que ninguém pensava ser possível – de independência energética”, celebrou Trump. Pouco mais de um mês depois, no entanto, a boa oportunidade se converteu um erro – já que agora faltam espaços para estocagem e o preço da mercadoria caiu ainda mais.
Em 12 de abril, Arábia Saudita, Opep e Rússia chegaram a um acordo, intermediado com a ajuda de Trump, para um corte histórico na produção global: uma redução de 10%, algo em torno de 9,7 milhões de barris por dia (duas vezes mais do que foi cortado durante a crise de 2008).
Ainda assim, os mercados estão deixando claro que o acordo já nasceu defasado.
Um estudo feito pela consultoria IHS Markit antes dessa segunda-feira de queda histórica, estimou que a produção global deve cair em até 14 milhões de barris por dia conforme países como Estados Unidos e Canadá cortem sua produção para tentar conter o prejuízo, já que apenas entre fevereiro e março de 2020 os preços do barril desabaram de US$ 53 para menos de US$ 22.
Quem sofre com isso?
Em todo mundo, existem hoje ao menos 100 países produtores de petróleo. O mercado petrolífero respondeu sozinho por quase 4% do PIB mundial em 2019, um negócio que movimentou US$ 86 trilhões e empregou 4 milhões de pessoas.
A crise no setor afeta diretamente a economia da maior parte dos países do mundo. E o problema é que essa não é uma crise comum, uma recessão econômica regional ou uma desaceleração pontual: é uma interrupção abrupta do fluxo comercial de quase todo o mundo.
Por isso, os resultados tendem a ser ainda mais dramáticos. Bancos centrais não dispõem de instrumentos para conter as perdas.