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Por Redação O Sul | 1 de março de 2019
Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirma que não descarta a possibilidade de intervenção militar na Venezuela, o governo brasileiro tem repetido que não cogita usar a força contra o governo de Nicolás Maduro.
Em reunião na segunda (25) do Grupo de Lima, formado por países da América Latina para tentar resolver o conflito da Venezuela, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, reforçou a ameaça de ação militar de Trump. “O presidente deixou claro: todas as opções estão sobre a mesa”, afirmou.
Mas Brasil e outros países da América do Sul presentes ao encontro, na Colômbia, deixaram claro que rejeitam usar tropas para forçar Maduro a deixar o poder.
“O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão.
O que explica essa postura de cautela do Brasil?
Especialistas em relações internacionais e integrantes do Exército ouvidos pela BBC News Brasil dizem que pesa na decisão o temor de que uma ação militar liderada pelos Estados Unidos abra precedente para outras intervenções na região por potências estrangeiras.
O fato de a fronteira do Brasil com a Venezuela ser em área da Floresta Amazônica acende um alerta adicional, sobretudo entre os militares.
Também conta na decisão do governo a tradição diplomática brasileira de não intervir em outros países, sobretudo sem o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
“A não-intervenção sempre foi um pilar da nossa política externa e militar. É uma questão de Estado, independentemente dos governo. Isso ainda é mais sensível por se tratar da região amazônica”, disse à BBC News Brasil o general da reserva Eduardo Schneider, que atuou nas missões de paz da ONU no Haiti e em Angola.
Há, também, o fator econômico. As consequências de uma guerra são imprevisíveis – se uma intervenção estrangeira na Venezuela gerasse uma guerra civil, por exemplo, o Brasil poderia ter que manter tropas lá por anos.
O que poderia detonar um conflito armado?
A preocupação imediata é que uma escalada da tensão na fronteira do Brasil com a Venezuela possa gerar reações violentas por parte dos Exércitos dos dois países.
Para impedir que alimentos e medicamentos doados por Estados Unidos e outras nações entrassem no território, Maduro enviou tropas às fronteiras com Colômbia e Brasil. Ele argumenta que a ajuda humanitária é parte de uma estratégia do governo americano para tirá-lo do poder.
Bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e armas letais foram usadas contra venezuelanos que tentaram forçar a passagem dos caminhões com suprimentos no fim de semana.
Os confrontos geraram o temor de que a violência escalasse e incitasse uma resposta armada do Brasil.
“Uma pequena provocação pode acabar gerando uma reação violenta. E um disparo que cruze a fronteira pode acabar atingindo um soldado venezuelano ou brasileiro e gerar uma resposta. É uma situação delicada”, destaca a professora Jennifer McCoy, diretora do Instituto de Estudos Globais da Georgia State University, nos Estados Unidos, e autora do livro Mediação Internacional na Venezuela.
O coronel do Exército brasileiro José Jacaúna, que atua em Pacaraima, Roraima, chegou a defender, em entrevista à TV Globo, uma “posição firme” por parte do Brasil em resposta às bombas de gás lacrimogênio disparadas por soldados venezuelanos.
Para aplacar os ânimos, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que Brasil não iria “estressar” com o fato de tiros e bombas de efeito moral terem atingido território brasileiro.
“O Brasil não tomaria a iniciativa de atacar. Mas, na hora que você é atacado, é até um instinto de sobrevivência revidar. Nesse caso, é importante orientar os soldados a não cair em provocações levianas”, afirma o general da reserva Eduardo Schneider.
Além do risco de um conflito gerado por tensões na fronteira, há a possibilidade de os Estados Unidos pressionarem países da América Latina a apoiar uma intervenção militar planejada.
Segundo especialistas, neste caso, o apoio de países como Brasil e Colômbia seria importante para garantir legitimidade a uma intervenção liderada pelos EUA.
“É uma questão diplomática e simbólica. O apoio permitiria aos Estados Unidos dizer que estão alinhados com os interesses dos países vizinhos à Venezuela”, explicou à BBC News Brasil Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas).