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Saiba quantos presos voltam a cometer crimes no Brasil; entenda fatores que contribuem para a reincidência

País tem 663.906 detentos cumprindo pena, enquanto só há capacidade física para 488.951 pessoas. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

País com a terceira maior população carcerária do mundo (quase 827 mil presos), o Brasil registra também alto índice de egressos de penitenciárias voltando ao sistema prisional por reincidência de crimes. Não há números oficiais, mas estudos mostram que cerca de 1/3 dos que cumpre pena acaba preso novamente.

A precariedade do sistema carcerário, condições socioeconômicas adversas e a ausência de políticas públicas voltadas aos egressos ajudam a explicar esse cenário. Por outro lado, há críticas a benefícios previstos pela legislação, como as saídas temporárias das cadeias.

Episódios de violência nas ruas que envolvem ex-presidiários assustam a população e fazem gestores e legisladores cobrarem endurecimento das leis.

Levantamento do Instituto Igarapé com base em 111 estudos empíricos mostra que a reincidência criminal no Brasil chega a 32%. O relatório, de 2022, considera dados de quatro décadas, publicados em pesquisas de diferentes níveis.

Outro estudo, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mostra números um pouco mais altos: a reincidência atinge 37,6% para novo cumprimento de pena em até cinco anos, e alcança 42,5% se for considerada qualquer entrada no sistema prisional (quando há prisão, mas ainda sem nova sentença, tecnicamente a volta ainda não é considerada reincidência).

Em geral, os números são fornecidos só por alguns Estados e não há uniformidade. A pesquisa do Depen, por exemplo, apesar da base robusta de dados, usa informações de 13 unidades da federação – e não inclui algumas das maiores, como Rio de Janeiro e Minas Gerais. Na avaliação do Igarapé, a ausência do banco de dados completo contribui para a reincidência.

“Sistematizar informações é crucial para a formulação eficaz de políticas públicas, dando base sólida e abrangente para implementar estratégias de reintegração social e redução da reincidência”, diz Melina Risso, diretora de pesquisa do instituto.

Causas

Especialistas apontam diferentes motivos, entre eles problemas estruturais dos presídios, de legislação e a própria ineficiência do Estado na reinserção social.

“As causas são múltiplas, mas é evidente a deficiência do Estado em prover oportunidades a quem por alguma razão entrou nesse universo”, afirma o delegado Fernando Veloso, ex-secretário de Administração Penitenciária no Estado.

“Uma das primeiras questões é que o preso é identificado com a facção que atua naquele território – e há mais de 70 ou 80 facções no País”, diz. Segundo ele, ex-chefe da Polícia Civil do Rio, o preso é logo “matriculado” na facção, sem necessariamente ter elo com o crime organizado.

Isso eleva o risco de que ele se envolva em outros delitos no futuro. Além disso, o prisão pode funcionar como uma “escola” do crime, onde são compartilhadas estratégias com colegas de cela e é criada uma rede de contatos que pode ser retomada no futuro.

“Dentro da unidade prisional, o Estado não tem o controle. Quem tem é o próprio preso. O que o Estado consegue fazer é dizer que não pode sair. Só isso”, acrescenta Veloso.

Ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro cita o sequestro do empresário Abílio Diniz, em 1989, para ilustrar como o próprio sistema prisional é muitas vezes indutor de novos crimes.

“A maioria dos presos tem baixa escolaridade e baixa condição econômica, nada a perder. Quando prenderam a quadrilha (envolvida no sequestro de Diniz), formada por gente de bom nível social e acadêmico, puseram no Carandiru. O que eles fizeram? Uma cartilha de como fazer sequestros”, exemplifica.

O estudo do Depen mostra que os casos de reincidência frequentemente estão ligados aos mesmos crimes que levaram à primeira pena. Delitos contra o patrimônio (roubos e furtos), em geral, se repetem. Apesar da tendência, também há registro de crimes novos: 3% dos presos por drogas, por exemplo, voltam à cadeia após casos de homicídio.

“Se as condições de vida – pessoais, relacionais, econômicas e sociais – do indivíduo preso não mudarem, a chance de esse tipo de conduta voltar a acontecer é relativamente grande”, diz André Vilela Komatsu, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. O próprio encarceramento, destaca, reduz as possibilidades de trabalho pós-prisão.

Saidinha 

E a legislação deve mudar para diminuir a reincidência? A Lei de Execução Penal prevê benefícios para presos que apresentarem bom comportamento. Há, porém, críticas à legislação. Um dos benefícios mais polêmicos é a “saidinha”, que permite a saída temporária dos detentos em datas comemorativas.

Um projeto de lei no Senado tenta restringir esse benefício. O relator do texto, aprovado na Câmara em 2023, foi o então deputado Guilherme Derrite (PL), hoje secretário da Segurança Pública em São Paulo. Para ele, a saidinha está por trás da reincidência.

“A gente não tem dificuldade de prender quadrilhas, criminosos. A gente tem dificuldade com a reincidência criminal”, afirmou Derrite, em entrevista coletiva em dezembro. “É normal um país prender 14 vezes o mesmo indivíduo pelo mesmo crime grave? É normal prender pela 30ª vez um indivíduo com fuzil?”.

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