Quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 26 de junho de 2023
O historiador Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança tinha sete anos quando as tropas de Hitler invadiram a Áustria, em 12 de março de 1938. Aos 91, ele não se esquece do semblante de preocupação de sua tia, a princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragança (1899-1941).
Ela e a mãe de Carlos, Teresa Cristina (1902-1990), são bisnetas do imperador Pedro 2º (1825-1891).
Elas são filhas do príncipe Augusto Leopoldo (1867-1922), filho da princesa Leopoldina (1847-1871). Leopoldina é, por sua vez, a segunda filha de Pedro 2º e Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (1822-1889).
Ao todo, o príncipe Augusto e a mulher, a arquiduquesa Carolina da Áustria-Toscana (1869-1945), tiveram oito filhos: Augusto (1895-1909), Clementina (1897-1975), Maria Carolina, Rainer (1900-1945), Filipe (1901-1985), Teresa Cristina, Leopoldina (1905-1978) e Ernesto (1907-1978).
Desses, pelo menos três nasceram com problemas mentais, provavelmente de origem genética: Augusto, Maria Carolina e Leopoldina.
No caso da terceira filha do casal, acredita-se que, além da deficiência mental, ela teria contraído poliomielite. Quem afirma isso é sua sobrinha, Maria Amélia, filha da princesa Clementina, em seu livro de memórias.
Naquele 12 de março de 1938, Maria Carolina não poderia imaginar que apenas três anos depois, no dia 6 de junho de 1941, ela seria morta pelas mãos dos nazistas numa câmara de gás do Castelo de Hartheim, na Áustria. Tinha 42 anos.
“Minha tia foi barbaramente eliminada por duas razões: era declaradamente antinazista e tinha uma doença incurável”, recorda o sobrinho da princesa, autor de livros como Dom Pedro 2º na Alemanha (Editora Senac, 2014). “O regime eliminou uma inimiga com a desculpa de que ela era inútil e demente”.
A princesa Maria Carolina nasceu no dia 10 de janeiro de 1899, na cidade de Pula, antigo Império Austro-Húngaro, atual Croácia. Seu nome completo é Maria Carolina Filomena Ignácia Paulina Josefa Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Saxe-Coburgo e Bragança.
Por parte de pai, Maria Carolina era bisneta de Dom Pedro 2º, o último imperador do Brasil, e trineta de Dom Pedro 1º, o primeiro imperador brasileiro.
Seu pai, Augusto, nasceu em Petrópolis (RJ), no dia 6 de dezembro de 1867, mas, com a morte do avô, Dom Pedro 2º, no dia 5 de dezembro de 1891, passou a morar em Viena.
Foi lá que se casou, no dia 30 de maio de 1894, com a arquiduquesa Carolina, no Palácio Imperial de Hofburg. O casal teve oito filhos.
A família de Augusto e Carolina morou, entre outros endereços, nos castelos Gerasdorf e Schladming, distantes 16 e 345 quilômetros de Viena, a capital da Áustria.
Dom Augusto morreu em 11 de outubro de 1922, aos 54 anos, sem realizar o sonho de, um dia, regressar ao Brasil.
A Lei do Banimento, que impedia a família imperial de colocar os pés no país, vigorou de 21 de dezembro de 1889, por ocasião da Proclamação da República, a 3 de setembro de 1920, já no governo do presidente Epitácio Pessoa.
“Os brasileiros conhecem muito pouco a história da princesa Maria Carolina porque ela nasceu no exílio”, explica a historiadora Astrid Beatriz Bodstein, idealizadora do perfil Royalty and Protocol no Instagram. “Não bastasse, a grande imprensa boicotava toda e qualquer notícia sobre a família imperial. Ela praticamente viveu nas sombras”.
Segundo Bodstein, o príncipe Augusto Leopoldo até pensou em visitar o Brasil por ocasião das comemorações do centenário da Independência, em 1922, mas, adoeceu e morreu logo depois. A primeira integrante do ramo da família Saxe-Coburgo e Bragança a conhecer o país foi a princesa Teresa Cristina já na década de 1930.
Em 1938, por recomendação de Filipe, o quinto filho da família Saxe-Coburgo e Bragança, sua mãe, Carolina, mudou-se para Budapeste, na Hungria, com a filha, Leopoldina.
Em setembro daquele mesmo ano, seis meses depois da anexação da Áustria pela Alemanha, Maria Carolina foi transferida para um hospital psiquiátrico em Schladming, onde a família residia desde 1918.
A princesa já tinha sido internada, entre outras instituições, em uma casa de repouso em Salzburgo e em um sanatório público em Niedernhart.
“Muitos pais, sob a ameaça de perder a custódia de seus filhos, foram pressionados a mandá-los para supostos asilos e hospitais psiquiátricos”, afirma a historiadora Sabrina Ribeiro, criadora do canal Apaixonados por História no YouTube. “Segundo as leis do regime nazista, pessoas ‘suspeitas’ de doenças hereditárias, ou ‘vidas indignas de serem vividas’, como diziam na época, deveriam ser exterminadas”.
Médicos nazistas, em vez de tratar os pacientes, entregavam os considerados incuráveis, seja por terem deficiências físicas, seja por apresentarem transtornos psiquiátricos, à morte.
No dia 6 de junho de 1941, o hospital de Schladming foi invadido por soldados alemães. Os pacientes — entre eles, Maria Carolina — foram transportados, em veículos apelidados de “ônibus da morte”, para o Castelo de Hartheim.
Assim que chegaram ao centro de extermínio, os pacientes que tinham dentes ou obturações de ouro eram marcados pelos guardas. Depois de sua morte, tais objetos de valor seriam extraídos.
Hartheim era um dos seis centros de extermínio existentes na época. Os outros cinco eram Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar e Sonnenstein. Neles, os pacientes eram mortos por envenenamento a gás — monóxido de carbono ou cianeto de hidrogênio — ou com injeção letal.
“Na hierarquia da memória, os deficientes físicos e mentais ocupam o último lugar”, afirma a pesquisadora Esther Mucznik, presidente da Associação Memória e Ensino do Holocausto (Memoshoá), em Lisboa. “E ocupam o último lugar, não só pelo apagamento de vestígios, mas, porque, ao contrário de outras vítimas do Shoah, como judeus, ciganos e homossexuais, não tinham representantes ou porta-vozes”.
No mesmo dia em que chegou a Hartheim, 6 de junho de 1941, a princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragança foi executada, completamente nua, numa câmara de gás disfarçada de banheiro. Dos chuveiros, não saía água, mas gás letal. Da inalação ao óbito, a vítima, calculam os historiadores, não durava mais do que 20 minutos. As informações são da BBC News.