A tribuna do plenário da Câmara dos Deputados ainda não atraiu 17% dos parlamentares da Casa nos primeiros seis meses da nova Legislatura: dos 513 deputados, 87 não discursaram nenhuma vez.
Levantamento realizado pelo GLOBO mostra que, André Janones (Avante-SP), parlamentar atuante nas redes sociais, está na lista dos que não recorreram ao parlatório, assim como Celso Russomanno (Republicanos-SP) e Tiririca (PL-SP), ambos ligados à área da comunicação.
Na outra ponta do ranking, cinco entre os dez que mais foram à tribuna são bolsonaristas. De acordo com especialistas, o comportamento deste grupo indica uma estratégia para se conectar com o eleitor pela internet, onde veiculam trechos de suas falas, já que o poder de convencimento entre pares se dá nos bastidores.
Os dados analisados são da própria Câmara, que contabiliza e registra a íntegra dos discursos. A maior parte das explanações também é transmitida ao vivo pela TV Câmara e disponibilizada em tempo real pelo aplicativo Infoleg.
Este levantamento mostra ainda que, no período analisado, 50 parlamentares falaram na tribuna em apenas uma ocasião, enquanto outros 36 só usaram duas vezes o espaço.
“Não banalizo o uso da tribuna. Só a uso para mobilizar a população ou tentar convencer meus colegas de algum ponto de vista”, explicou André Janones.
Já Celso Russomanno afirma que sua atuação é mais focada na Comissão de Defesa do Consumidor, onde foi o deputado que mais discursou, mas também reforça que a distância do púlpito do plenário não reflete baixa participação legislativa.
“Não vou falar só por falar. Vou discursar quando tiver algo realmente importante a dizer”, disse.
Professora de Ciência Política da UFRJ e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada, Mayra Goulart avalia que atividade parlamentar se concentra, em grande parte, nas negociações de bastidores e na tramitação legislativa das comissões temáticas.
“Para incidir no processo legislativo, é mais efetiva a construção de acordos de bastidores para que avancem os processos administrativos do que propriamente a questão da oratória em plenário. Isso serve mais para a relação com os eleitores e, em alguma dimensão, para arregimentar atenção de outros parlamentares presentes ao plenário”, frisou.
A ascensão do agora deputado licenciado Celso Sabino (União-PA) para a cadeira de ministro do Turismo reforça a análise da professora.
Em seis meses, ele esteve na tribuna uma única vez. Longe dos microfones, e tendo como aliado o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) — dono de 14 discursos —, Sabino articulou para ingressar na Esplanada de Lula, no momento em que o petista busca consolidar sua base no Congresso com o apoio do Centrão.
Em sua sexta legislatura, Carlos Sampaio (PSDB-SP) está no rol dos que “optaram pelo silêncio” no plenário, sob a justificativa de que atua em atividade internas da Casa. Sampaio salienta ainda que a forma de se comunicar com a sociedade mudou:
“Como ouvidor-geral da Câmara, achei que deveria deixar a tribuna para os meus pares. Além disso, vejo nas redes sociais um caminho muito mais ágil e eficiente para falar com meus eleitores.”
Também presentes como exemplos de quem não pôs os pés na tribuna, o ex-presidente do PT Rui Falcão, que comanda a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e Tiririca foram procurados, mas não responderam.
Domínio bolsonarista
Já na relação dos que mais subiram à tribuna, Cabo Gilberto (PL-PB), apoiador de Jair Bolsonaro, está no topo com 178 explanações, seguido de Marcel van Hattem (Novo-RS), com 137. O PL do ex-presidente aparece na lista dos “10 mais” com Luiz Lima (PL-RJ), 106 discursos; Abílio Brunini (PL-MT), com 100; e Bia Kicis (PL-DF), com 93.
A artilharia de Cabo Gilberto mira no governo Lula. Surpreso por estar no topo dos mais falantes, o parlamentar afirmou que discursar é uma de suas características.
“Desde os tempos dos estudos. Na polícia, sempre divulguei nossas lutas. Uso o espaço para mostrar ao povo as incoerências do governo Lula”, conta o deputado, admitindo se inspirar em Bolsonaro, que, na época de deputado, discursava mesmo com o plenário vazio para que suas falas fossem ao ar na TV Câmara.
No outro lado, os mais falantes são Erika Kokay (PT-DF), com 132 discursos; Pompeo de Mattos (PDT-RS), com 129; Chico Alencar (PSOL-RJ), com 106; e Marcon (PT-RS), com 95. Adriana Ventura (Novo-SP) completa o ranking de dez, com 133 explanações em plenário.