Aguardar uma audiência com o ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF) é contemplar a passagem do tempo. Devidamente emoldurados, recortes de jornais, charges e fotos preenchem a sala que recepciona os convidados no gabinete do mais longevo magistrado da Corte. É o próprio decano quem seleciona o que deve entrar e sair da parede. O esmero na curadoria transformou o espaço numa espécie de vitrine de seus 22 anos na cúpula do Judiciário. Ou numa “coletânea de enfrentamentos”, como definiu Gilmar.
Sobre a parede branca do gabinete de Gilmar, é possível ver, por exemplo, uma foto do último despacho dado por ele como advogado-geral da União com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que o indicou ao Supremo em 2002. Também está lá, sob o título “Colecionador voluntário de controvérsias”, uma entrevista concedida por ele ao deixar a presidência da Corte, em 2010. O ministro diz não pensar no epíteto, mas de certa forma o abraça.
“Se tenho o feeling (sentimento) de que aquilo precisa ser enfrentado, eu o faço. Quem vai para o Supremo não fez concurso para miss simpatia”, diz.
O gabinete do decano do STF ocupa um espaço nobre na cobertura de um prédio anexo à sede da Corte. É lá que o magistrado estampa ecos de algumas das disputas travadas ao longo dos anos. Posicionada em lugar de destaque na parede do gabinete, uma charge retrata o ex-procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro como raposas próximas a um galinheiro. Trata-se de uma provocação feita por Gilmar, um dos críticos mais contundentes da Operação Lava-Jato.
Em abril do ano passado, o decano do Supremo recebeu em seu gabinete o agora senador Sergio Moro. O encontro ocorreu a pedido do parlamentar, que enfrentava um processo de cassação do mandato que foi arquivado. Sentado no sofá preto de couro do espaço de trabalho do magistrado, Moro ouviu de Gilmar que ele e o colega “roubavam galinhas juntos em Curitiba”.
“Não exagerei em nada. Eles trabalhavam juntos mesmo, algo que é bastante atípico. Cometeram faltas graves juntos em algum momento”, afirma.
O local onde o decano do STF despacha é uma parada obrigatória para políticos e autoridades que desejam buscar apoio de uma das figuras mais influentes do Judiciário. No fim de 2021, por exemplo, Gilmar recebeu Anderson Torres em seu gabinete. O tema da reunião era a recente inclusão do então ministro da Justiça no inquérito das fake news como consequência da divulgação por Jair Bolsonaro de uma investigação sigilosa da Polícia Federal.
Na conversa informal, magistrado deu um conselho para Torres: passear pelas fotos na galeria de ministros da Justiça e buscar inspiração “em figuras grandes” que lá estão sempre que tivesse “impulsos” de fazer algo errado.
“Altar de Pelé”
Para chegar até o espaço onde Gilmar e Moro tiveram essa conversa, é preciso antes passar por uma coleção de camisas de futebol. Organizadas como obras de arte fixadas nas paredes, as peças adornam todo o corredor. Uma das preferidas do magistrado é a do Santos, time para o qual torce.
O carinho pelo clube do litoral paulista também é retratado num “altar de Pelé”, com fotos, dedicatórias e registros do ex-jogador, que, além de ídolo, foi contemporâneo de Gilmar no governo FH, quando comandou o Ministério do Esporte.
“Quando os estrangeiros passam por aqui e veem todos esses quadros, camisas e fotos com Pelé, perguntam qual a relação que eu tenho com ele. Digo que fomos colegas e eles querem saber em que posição eu jogava”, diverte-se Gilmar, que deve pendurar as chuteiras no STF em 2030, quando completará 75 anos. As informações são do jornal O Globo.