Depois de sufocar metodicamente seus rivais e dissidentes, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, garantiu uma vitória tranquila nas eleições presidenciais de domingo (07), obtendo um quarto mandato consecutivo, que pode deixá-lo no poder até 2026. A vitória sinaliza ainda que os nicaraguenses subiram alguns degraus na direção de um regime cada vez mais autocrático.
O domingo foi marcado pela apatia. Os centros de votação ficaram praticamente vazios. As poucas filas registradas eram de policiais, militares e funcionários públicos.
Com seus rivais presos ou exilados, Ortega mostrou que não permitirá que ninguém lhe tome o poder – ele deve obter entre 60% e 70% dos votos, segundo analistas. As autoridades anunciaram que não divulgarão resultados até a meia-noite (3 horas da madrugada de hoje em Brasília). Os dados sobre participação eleitoral também não serão divulgados.
Segundo analistas, com todos os opositores presos, para milhões de nicaraguenses a única possibilidade de demonstrar insatisfação é não se aproximar das urnas e ficar em casa em sinal de protesto.
Uma pesquisa recente mostrou que 78% dos nicaraguenses veem a possível reeleição de Ortega como ilegítima e apenas 9% apoiam o partido no poder. Mesmo assim, muitos se recusam a questionar o governo em público, com medo de serem presos ou perseguidos por representantes do partido sandinista que estão em todos os bairros para monitorar atividades políticas.
A líder de um grupo de vigilância eleitoral, Olga Valle, deixou o país depois que o governo de Ortega começou a atacar qualquer um que se manifestasse contra ele. “Havia muito medo de mostrar o rosto”, disse Valle. “Há uma restrição total de liberdades, as pessoas não têm absolutamente nenhuma capacidade de se reunir, de se organizar.”
“Isto não é uma eleição, é uma farsa”, disse Berta Valle, esposa de um dos líderes da oposição que foi preso. “Ninguém vai eleger ninguém, porque o único candidato é Daniel Ortega.”
Em sua busca por um quarto mandato consecutivo como presidente do país, Ortega deteve todos os adversários que pudessem representar uma ameaça contra ele, fechou partidos de oposição e proibiu grandes eventos de campanha. A comissão que monitora as eleições foi confiada a seus partidários e não houve debates públicos entre os cinco candidatos restantes, todos eles membros pouco conhecidos de partidos alinhados com o governo sandinista de Ortega.
O caminho de Ortega para o controle quase total da Nicarágua deu início a uma nova era de repressão e terror no país, marcando uma virada em direção a um modelo abertamente ditatorial que poderia servir de exemplo para outros líderes na América Latina, disseram analistas.
Sua reivindicação de vitória seria outro golpe para a agenda do presidente Biden na região, onde o governo não conseguiu retardar uma queda antidemocrática e um êxodo em massa de pessoas desesperadas em direção aos Estados Unidos.
“Este é um ponto de virada para o autoritarismo na região”, disse José Miguel Vivanco, chefe para a região das Américas da Human Rights Watch, que chamou a repressão de Ortega de “um filme de terror em câmera lenta”. “Ele nem mesmo está tentando preservar algum tipo de fachada de governo democrático”, disse Vivanco sobre o líder nicaraguense. “Ele está de maneira flagrante e aberta apenas decidindo tratar a eleição como um teatro.”