Sem surpresas, o Senado aprovou o projeto que regulamenta o pagamento de emendas parlamentares rejeitando a possibilidade de o Executivo bloquear o dinheiro em caso de necessidade de ajuste fiscal. Os senadores também eliminaram a obrigatoriedade de destinar metade do valor das emendas para a Saúde. E, assim, segue em curso uma nova versão do orçamento secreto, talvez um tanto menos obscuro, mas nem por isso mais democrático e republicano.
A indefectível aprovação do novo texto pela Câmara dos Deputados deverá coroar o esforço do Congresso em manter o que os parlamentares já consideram um direito adquirido: capturar fatia expressiva do Orçamento da União que, de acordo com recente estudo do Insper, já corresponde a 24% das despesas discricionárias do governo federal. O pagamento das emendas está suspenso desde agosto por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que apontou falta de transparência e rastreabilidade nas transações.
Os congressistas têm pressa em destravar os recursos com os quais vão abastecer suas paróquias eleitorais, mas não demonstram o mesmo empenho em reduzir sua apropriação do Orçamento e tampouco disposição para elucidar em detalhes os objetivos, destinos e justificativas das propostas que fazem para alterar o Orçamento público. As emendas que, principalmente nos últimos quatro anos, fizeram de deputados e senadores os senhores de boa parte dos recursos federais distribuídos pelo País viraram uma espécie de trincheira parlamentar.
Nesse caso, todo o esforço para acelerar o trâmite no Legislativo parece que se torna válido. Na noite em que o texto-base do Projeto 175/2024 estava sendo votado, os senadores demoraram a deixar o plenário, mesmo diante dos estrondos que vinham da Praça dos Três Poderes, onde um homem detonara explosivos que trazia junto ao corpo. Apesar do desprendimento dos parlamentares, a sessão só pôde ser concluída cinco dias depois, com a votação dos destaques, na qual o recado para o Planalto, que havia pedido para incluir a possibilidade de bloqueio, foi explícito: não há negociação possível em relação às emendas.
Mas não é ao governo Lula da Silva, ou a qualquer outro que ocupe o Palácio do Planalto, que o Legislativo está virando as costas. Senadores e deputados estão negando ao País uma reparação do arresto que engendraram ao erário mantido por todos os contribuintes brasileiros. O estudo do Insper mostrou que, do início de 2021 até agora as emendas parlamentares consumiram R$ 131,7 bilhões do Orçamento em seus quatro modelos: de bancada, de comissão, individuais e de relator, que deu origem ao famigerado “orçamento secreto”, denunciado por este jornal.
O relator do projeto passou a liberar valores no Orçamento a pedido de deputados e senadores sem identificá-los, numa distribuição de dinheiro público movida por negociatas políticas, sem nenhuma observância de critérios de utilidade pública. Como já dissemos neste espaço, ainda que pudessem ser escrutinadas com transparência e direcionadas a políticas públicas para melhorar a realidade dos municípios supostamente atendidos por seus autores, as emendas já seriam uma excrescência pela evidente afronta ao princípio republicano da separação de Poderes.
O projeto ora em análise no Congresso é uma tentativa de resolver o impasse sobre o pagamento das emendas impositivas, das quais fazem parte as chamadas “emendas Pix”, as mesmas que já bancaram micaretas, festas juninas e corridas de carro Brasil afora e que receberam esse sugestivo nome porque permitem o envio direto do dinheiro para o caixa de municípios e Estados, sem necessidade de projeto ou justificativa. São emendas que, neste ano, somam R$ 8 bilhões.
O escárnio com o qual os congressistas tratam os recursos públicos e os cidadãos que contribuem para manter ativa a máquina pública envergonha o Poder Legislativo. Caberia aqui um apelo para que a Câmara dos Deputados trate com mais seriedade a avaliação do projeto de regulamentação das emendas. Debalde, ao que tudo indica. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)