Os decretos baixados logo depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva restringindo compra, posse e porte de armas e munições foram medidas importantes para conter o “liberou geral” promovido durante o governo Jair Bolsonaro. Por isso são preocupantes as iniciativas do Congresso que visam a afrouxar tais restrições.
A despeito das tragédias diárias provocadas por armas de fogo no País, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 206/2024, que revoga itens importantes da atual política antiarmas, avança com celeridade no Congresso. Na semana passada os senadores aprovaram regime de urgência para tramitação do projeto, que deverá ser votado nos próximos dias sem a ampla e necessária discussão com a sociedade. A proposta já havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Um dos pontos mais controversos é a liberação para que clubes de tiro se instalem perto de escolas (a legislação em vigor diz que eles precisam ficar a pelo menos 1 quilômetro). O texto também permite que armas sejam usadas em atividades distintas das declaradas na compra; facilita a comercialização de armas automáticas e semiautomáticas restritas às forças de segurança; revoga a restrição à aquisição de armas de pressão por gás comprimido; acaba com a competência do Iphan para classificar e regular armas de colecionadores; e reduz o treinamento para atiradores.
Um dos argumentos dos defensores da medida é que as restrições impostas pelo atual governo inviabilizam as atividades dos atiradores desportivos, uma vez que muitos clubes já estão instalados nas imediações de escolas. Mas não é a lei que tem de se adaptar aos atiradores, e sim o contrário.
No governo Bolsonaro, imperou a estratégia equivocada de facilitar o acesso a armas e munições, sob o argumento falacioso de que a população precisava se defender. Sabe-se que a crise na segurança é um problema grave, mas ela só será resolvida com políticas sérias e consistentes envolvendo estados e União. Armar os cidadãos não é política de segurança. Em algum momento, a medida se volta contra a população, uma vez que boa parte das armas acaba desviada para o crime organizado.
O “revogaço” dos decretos de Bolsonaro e a fixação de novas normas foram medidas acertadas para conter o excesso de armas em circulação. No primeiro ano de vigência das restrições, os novos registros caíram quase 80%. Mas ainda há muito a fazer para reduzir o arsenal em mãos da população. Um recadastramento do Ministério da Justiça apontou quase 1 milhão de armas. Elas estão por aí, se prestando a assassinatos e outras tragédias. Revogar restrições em vigor para atender a interesses de setores armamentistas é um desserviço ao país. Esperava-se do governo um papel mais ativo contra esse desmonte. O Senado deveria impedir esse absurdo. A preocupação deveria ser avançar, não retroceder. (Opinião/O Globo)