A tragédia de Brumadinho trouxe às manchetes a palavra perda: perda de vidas, perda de bens, perda de esperança.
Volta e meia, alguém usa perca no sentido de perda: perca de vidas, perca de bens, perca de esperança.
Está certo? O dicionário responde. O Aurélio diz que perca é forma popular de perda. O Houaiss, que se trata de forma não preferida. E daí?
A língua é como a mulher de César. Dizia-se que a primeira-dama do Império Romano não só tinha de ser honesta. Tinha de parecer honesta. O mesmo ocorre com o português nosso de todos os dias. Ele não só tem de ser correto. Tem de parecer correto. Perca no lugar do substantivo perda parece errado. Xô!
Bem-vindo, verbo
Perca é pra lá de bem-vindo no presente do subjuntivo do verbo perder: que eu perca, ela perca, nós percamos, elas percam.
Quem tenta não faz
Os psicólogos ensinam. Quem quer ser afirmativo dispensa o verbo tentar. Com ele, a pessoa não assume compromisso. Revela frouxidão, falta de vontade efetiva. Compare:
— Vou tentar chegar cedo.
— Vou chegar cedo.
Em qual delas você deposita suas fichas? Eu não penso duas vezes — na segunda. A fala me transmitiu firmeza.
Mais do mesmo
“Bolsonaro começa a despachar do hospital a partir de amanhã”, anunciou o jornal de terça-feira. Certo? A data sim. O português não. Por quê?
A partir de é expressão de tempo. Quer dizer a começar em. Por isso, a partir de não combina com o verbo começar. É pleonasmo escrever:
Bolsonaro começa a despachar do hospital a partir de amanhã.
Os novos ônibus vão começar a circular a partir de 1º de março.
Diga assim:
Bolsonaro começa a despachar do hospital amanhã.
Os novos ônibus vão começar a circular em 1º de dezembro.
Ou assim:
Bolsonaro vai despachar do hospital a partir de amanhã.
Os novos ônibus vão circular a partir de 1º de março.
Outro pleonasmo
O jornal escreveu: “Todos os desembargadores foram unânimes ao soltar o dr. Bumbum”. Ops! Tropeçou no pleonasmo. Unânime é relativo a todos. Em época de vacas magras, desperdiçar é proibido. Melhor livrar-se da redundância: Os desembargadores foram unânimes ao soltar o dr. Bumbum.
Xô, companhia
“É com a chuva que o mosquito da dengue se prolifera”, alertou o Bom Dia, Brasil. Ops! Descuidou-se. O verbo proliferar não joga no time dos pronominais (aposentar-se, formar-se, aprontar-se). Ele pertence à equipe dos intransitivos. Melhor livrá-lo do peso do pronome. Assim: É com a chuva que o mosquito da dengue prolifera. Os ratos proliferam nos terrenos baldios. O vírus prolifera em ambientes fechados.
Adultério
“A busca dos corpos será de 7h da manhã às 5h da tarde”, informou a tevê. Certo? Não. Faltou respeito às expressões casadinhas. Elas zelam pela harmonia do matrimônio. Adultério não é com elas. De mãos dadas, agem do mesmo jeitinho.
O que acontece com um par acontece com o outro. Se um vem acompanhado de artigo, o outro também vem. Se não vem, o outro tampouco virá. Compare: de segunda a sexta, da página 8 à (página) 11, da França à Alemanha, do Rio à Paraíba, da SQS 310 à 312, das 7h às 17h.
Ao dizer “de 7h da manhã às 5h da tarde”, o repórter misturou o par de um com o de outro. Gerou deformações. São os cruzamentos. É como casar girafa com elefante. Cruzes! Vem, forma paralela: das 7h da manhã às 5h da tarde.
Leitor pergunta
Acerca, cerca de, a cerca de, há cerca de: pode explicar o emprego de cada um? — Santiago Trindade, São Vicente.
Acerca de = sobre, a respeito de: Pronunciou-se acerca da oscilação do dólar.
Cerca de = aproximadamente: Recebeu cerca de R$ 500.
Há cerca de indica contagem de tempo passado (= faz aproximadamente): Viajou há cerca de dois meses.
A cerca de exprime tempo futuro: Viajará daqui a cerca de dois meses. A cerca de dois meses das eleições, regras do pleito podem ser mudadas.