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Ser namorada também importa

(Foto: Reprodução)

(Da série “Verdades difíceis de engolir”)

Tirem tempo para o casal.

Sim, eu sei, você agora está pensando “meu Deus, são tantas coisas que eu TENHO que fazer (“cuide de si mesma, tenha tempo de qualidade com seus filhos, faça exercício, medite, tome 3 litros de água por dia, durma 8 horas por noite..), mas meu dia segue tendo apenas 24 horas e eu preciso escolher”. Então, se você é casado e tem filhos, eu te peço gentilmente para incluir essa sugestão, ao menos, nos seus Top 10 (pelamordedeus!).

Para otimizar o seu tempo, pensa que cuidar da relação a dois é, também, cuidar de si, assim como cuidar dos seus. Ou você já esqueceu a maravilha que é apenas “estar” ao lado do seu par? Não é por isso que buscamos a vida inteira? A nossa metade da laranja? O chinelo velho para o nosso pé torto? Alguém a quem amar quando nada mais fizer sentido? Alguém a quem agradar pelo simples fato de você se importar?

Sim, já foi a coisa mais importante do mundo para você. Noites e noites em baladas até encontrar a sua alma gêmea. Tempo perdido nas redes até localizar alguém pra chamar de seu. E aí, seus olhos se encontram, o mundo para, vocês se apaixonam e… a vida nos atropela e, de repente, deixamos essa criatura com que tanto sonhávamos de lado.

Porque vieram os filhos.

E os filhos mudam tudo. Ser mãe é uma revolução, como se chacoalhassem as peças do seu jogo para que você as monte de uma maneira totalmente inédita. Uma forma de ver as coisas como antes jamais poderia ter visto. Você gerou uma vida que saiu de dentro de você e nada, absolutamente nada, é mais impressionante do que isso.

Você entende que eles são uma parte de você. Você se doa completamente e depois reclama que se sente sugada e continua se entregando da mesma forma. Você aprende o que é o amor incondicional e vira noites sem dormir e pensa que não vai aguentar, mas aguenta. O foco da sua vida se torna, primeiro, em fazer aquela criança sobreviver e, depois, educá-la para viver. Ser mãe requer seu foco, sua energia, seu leite e seu amor quase que integralmente. Tudo permeado pela necessidade de demonstrar o seu amor sem fim e, afinal, ser a melhor mãe que você (e o constante sentimento de culpa) permitirem.

Mas e aquele seu namorado?

Ah, pois é. Virou marido. Virou pai. E perdeu espaço na sua agenda. Perdeu a supremacia da atenção. Virou o parceiro de tretas domésticas, BOs educacionais e sócio de boletos. E é aqui, exatamente aqui, que a maior parte dos casais se perdem.

Eu tenho essa percepção de que deve até ser meio trágico: você antes era a cereja do bolo, o centro das atenção e, de repente, vira um coadjuvante no palco da vida. Assim, “do nada”. Porque, veja, eu realmente não sei se os homens estão preparados para esse “baque”. Sinceramente. Não sei. Talvez por isso muitos se afastem (não os estou desculpando, que fique bem claro). Talvez muitos não saibam brincar Nesse playground.

E é preciso ser um baita homem pra virar pai. Quase a fórceps. Porque o homem é atirado em uma nova realidade. Ele que se vire. Aliás, ele que faça alguma coisa!

É por isso que ter filhos deve ser um projeto a dois: logo, AMBOS devem estar prontos. Essa é uma perspectiva racional da vida. Mas a verdade é que nem sempre isso ocorre pelos planos dos dois, talvez até mesmo de nenhum. Mas os efeitos…ah, a mulher se transforma com a maternidade. O homem, diferentemente, se adapta à paternidade. E esses dois verbos fazem TODA a diferença daqui pra frente. Porque durante essa jornada de transformação (para a mulher) e de adaptação (para o homem), vão surgindo as dissonâncias, as divergências, as falhas de comunicação. É difícil sintonizar o mesmo canal quando cada um se encontra em frequências diversas.

Não é por acaso que nos unimos para criar pessoas para o mundo: porque a dois é melhor. A dois, um completa, ajuda, corrige, sustenta o outro. É preciso um homem forte, de princípios e dedicado ao seu amor para encarar o papel de seu companheiro depois dos filhos. E temos exigido isso de nossos parceiros, o tempo todo – com toda a razão.

Penso, contudo, que nós, mulheres, sempre tão sensíveis e empáticas, não estamos vendo esse drama que se desenrola internamente dentro de seus homens – talvez inebriadas pela falsa impressão de que temos direito a tudo pelo fato de sermos mulheres. Como se houvesse esse jogo de poder velado que nos legitima a deixar de lado o papel de parceira que já fomos porque adotamos uma nova causa: ser mãe.

“Ah, Ali, era o que faltava agora dizer que à mulher cabe cuidar do homem, senão o relacionamento acaba”. Sim. Isso mesmo. Assim como cabe ao homem cuidar da mulher, senão o casamento acaba. Não te parece justo? Não é sobre isso uma relação de duas pessoas que se unem por amor? Não devem ambos buscar o reconhecimento diário do amor, do respeito, do cuidado constante um com o outro?

Porque a sintonia fina requer que dupla siga dançando ao mesmo som e, principalmente, sendo feliz independentemente dos filhos – porque, afinal, os filhos são uma CONSEQUÊNCIA da união, e não a sua causa.

Manter o encanto, o diálogo, o interesse, o toque. Esse papel, o dos namorados um do outro (de ambos os lados) é essencial. Sem ele, a gente corre o risco de se perder na névoa da rotina e esquecer o porquê, afinal, você divide o quarto, a casa, a vida com outro adulto cansado e maniático. Eu, você, qualquer um de nós é assim. Há que se ter “vantagem” em estar com alguém. Há que se buscar, senão a felicidade (porque é impossível ser feliz o tempo todo), ao menos a certeza de que se é amado, respeitado, cuidado.

Por isso eu sou tão repetitiva e insistente: deem um jeito de ficar a sós. De sair por dez dias ou duas horas. De esquecerem dos boletos e das crianças. De deixarem de ser gestores domésticos para voltarem, por alguns momentos, a serem apenas aquilo que os liga um ao outro: namorados, pelo simples prazer de estar perto um do outro. E nada mais.

(Observação politicamente correta: os termos “homem” e “mulher” podem ser substituídos como bem entender. Sou a favor de toda forma de amor. O uso dessas palavras tem relação à análise sobre o impacto da maternidade e da paternidade na vida de um casal heteroafetivos, referidos no contexto específico desse texto.)

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