Domingo, 27 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 15 de março de 2023
Relegado a debates ideológicos e pouco técnicos durante o governo Bolsonaro, o sistema educacional brasileiro e as avaliações de qualidade do ensino precisam recuperar o tempo perdido e ser rapidamente atualizados para se adaptar às demandas do século 21. Essa é a visão da socióloga Maria Helena Guimarães de Castro.
Ex-secretária-executiva do Ministério da Educação durante o governo Michel Temer, Maria Helena participou do processo de mudanças da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e da inclusão, no ensino médio, de itinerários de aprendizagem que podem ser escolhidos pelos alunos de acordo com suas aptidões. Também já foi secretária de Educação do Estado de São Paulo e assume cadeira na Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional, no Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto.
Para ela, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) está defasado e precisa começar a avaliar competências socioemocionais dos estudantes, que por sua vez devem ganhar espaço dentro das escolas em todos os anos da formação das crianças e dos adolescentes. Para isso, é preciso superar desafios, como alfabetizar bem os alunos para que consigam se desenvolver plenamente ao mesmo tempo em que os professores têm que entender que precisam fazer parte da formação emocional dos estudantes. Como se não fosse pouco, a pandemia ainda causou ainda mais dificuldades no cenário, mas o Brasil tem condições de vencer as batalhas na educação, segundo Maria Helena. Leia os principais trechos da entrevista que ela concedeu ao jornal Valor Econômico.
– Como a senhora avalia o momento atual da educação no Brasil? “O momento, na minha visão, é de transição e de recomposição das aprendizagens. Nós já sabemos que a pandemia afetou muito não só o aprendizado dos estudantes como também as questões socioemocionais, a saúde mental das crianças e dos adolescentes. Gerou uma desconexão das rotinas escolares. De repente, os alunos passaram a não fazer nada ou a ter atividades remotas, sendo que poucos têm a oportunidade de seguir atividades on-line eficientemente com a devida interação com os professores. Portanto, houve uma queda no processo de aprendizagem e perda do engajamento dos jovens nas escolas. As avaliações mostram isso.”
– Qual a leitura que devemos fazer do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2022, realizado em um momento ainda delicado da pandemia? “O Saeb foi aplicado em dezembro de 2021. Sabemos que apresenta problemas, uma vez que em algumas escolas a participação dos alunos foi inferior a 50% dos matriculados naquele ano. Como a norma prevê que série avaliada tenha pelo menos de 75% a 80% de participação, notamos facilmente que os resultados devem ser observados com muita ponderação. Acredito que o Saeb deste ano já trará um diagnóstico mais preciso sobre o impacto da pandemia no aprendizado.”
– Relatos de professores indicam que muitos alunos deixaram de aprender coisas básicas dos anos referentes a suas idades, não é? “Sim. Sabemos que as crianças que tiveram atividades remotas, em 2022, estavam no terceiro ano sem estar estarem plenamente alfabetizadas. Essas crianças podem, ainda em 2023, continuar com dificuldades básicas de aprendizado que vão impedir a sua evolução. A questão da alfabetização é fundamental para que essas crianças possam aprender de verdade e consigam recuperar as lacunas que agora são obstáculos para que se desenvolvam daqui pra frente. Esse é o grande desafio.”
– As autoridades da área de educação estão preparadas para lidar com essa realidade e reverter o quadro? “Eu acredito que o Inep e o atual presidente Manuel Palácios está bem comprometido com a questão do Saeb e os problemas advindos da pandemia. Sabe perfeitamente o que fazer.”
– E o que precisa fazer, na sua avaliação? “A primeira coisa é o seguinte: os dados [do Saeb] precisam ser comparados sempre com um olhar mais preciso sobre a situação observada em cada unidade da federação, pois eles indicam muita desigualdade. Alguns Estados tiveram condições de acesso à internet [durante a pandemia] e apresentaram projetos melhores de desenvolvimento das atividades remotas do que outras. Nesse sentido, a comparação dos resultados do Saeb precisa subsidiar políticas públicas de melhoria da qualidade e da equidade de acordo com os problemas identificados em cada região. E só vamos conseguir fazer isso se fizermos uma análise pedagógica dos resultados e tivermos uma devolutiva para as escolas.”
– Isso já está no radar do ministério e dos secretários de Educação de Estados e municípios? “Entendo que, sim, muitos Estados já estão tentando fazer isso. Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso do Sul… Vários Estados já estão com um olhar muito atento a essas questões e procuraram iniciar o ano letivo de 2023 com uma forte ênfase na recomposição das aprendizagens e no desenvolvimento de estratégias de intervenção na realidade a partir de diagnósticos muito claros. Eu acredito que deve ser uma tendência.” As informações são do jornal Valor Econômico.