Sábado, 23 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 27 de junho de 2024
O governo boliviano anunciou nesta quinta-feira a detenção de mais 17 pessoas, incluindo militares ativos e reformados, além de vários civis, pela suposta ligação com a tentativa de golpe de Estado que ocorreu um dia antes. Mais cedo, o ministro de Governo da Bolívia, Eduardo del Castillo, divulgou que cerca de dez militares envolvidos tinham sido presos. Ele afirmou que a polícia trabalha para desmantelar a “rede antidemocrática” que tentou quebrar a ordem constitucional.
“Temos bastante informação para poder desmantelar toda essa rede antidemocrática, que foi formada por um grupo minúsculo de militares que tiveram a ousadia de tentar tomar o poder pela força com metralhadoras, com veículos”, afirmou Del Castillo.
Na tarde de quarta (26), a nação sul-americana assistiu com perplexidade quando forças militares se voltaram contra o governo do presidente Luis Arce – que, por sua vez, convocou os bolivianos a se mobilizar contra as “movimentações irregulares” do Exército em frente ao Palácio Quemado, a sede presidencial em La Paz, na Praça Murillo. Horas após a invasão do palácio, o general que liderou a tentativa de golpe, Juan José Zúñiga, e o vice-almirante Juan Arnez Salvador foram ambos presos. Eles permanecem sob custódia.
Del Castillo não detalhou quem eram as outras 17 pessoas presas, mas afirmou que os supostos conspiradores começaram a tramar a tentativa de golpe em maio. A versão contradiz o que foi dito por Zúñiga ao ser preso, quando ele afirmou, sem provas, que Arce encenou um autogolpe para “aumentar sua popularidade”. O general disse ter estado com o presidente no domingo, ocasião em que o chefe de Estado teria proposto “montar algo” com este objetivo. Zúñiga teria questionado se blindados deveriam ser usados, e o chefe de Estado teria dado sinal positivo.
“O presidente me disse: ‘A situação está muito complicada, muito crítica. É necessário preparar algo para aumentar minha popularidade'”, alegou Zúñiga.
Disputa de narrativas
Mesmo sem evidências, a acusação de Zúñiga foi reforçada nessa quinta (27) por seguidores do ex-presidente Evo Morales (2006-2019), que apontaram como “autores intelectuais” da tentativa de golpe Arce, o atual mandatário, e o vice-presidente, David Choquehuanca.
Segundo o El País, o vice-presidente do MAS (Movimento ao Socialismo), Gerardo García, e Wilfredo Chávez, ex-procurador do Estado que foi ministro de Morales, afirmaram que Arce “zombou do país”. Para eles, o caso foi uma tentativa de “levantar a imagem” do presidente em meio à crise da Bolívia, que enfrenta falta de gasolina e escassez de dólares.
“Quando se viu um golpe militar com balas de borracha? Quando se viu um golpe em que têm que dialogar com o presidente? Quando havia golpes de Estado, os militares entravam para matar, com balas, para subjugar o presidente e os ministros. Eles entravam diretamente para torturá-los e prendê-los”, argumentou García.
Funcionários da administração de Arce, contudo, negaram as alegações de Zúñiga e insistiram que o general mentiu para justificar suas ações. Os promotores disseram que buscariam a pena máxima para o ex-comandante, de 15 a 20 anos, por acusação de “atacar a Constituição”. O chefe naval do país, Juan Arnez Salvador, também pode pegar até 20 anos pelos crimes de terrorismo e levante armado. De acordo com a agência Reuters, o governo boliviano tinha informações de que uma “tentativa de desestabilização” poderia ocorrer.
Ainda na quarta, em meio à movimentação das tropas, Arce anunciou o general José Wilson Sánchez Velázquez como novo comandante das Forças Armadas, sucedendo ao general José Zúñiga. Na sequência, a ministra da Presidência, María Nela Prada, afirmou que o golpe fracassou porque “reforços não chegaram a tempo”. Logo após o início da ação, ficou claro que a tentativa de tomada de poder não tinha apoio político nem militar significativo – e o levante terminou em poucas horas.
Protestos
No dia seguinte à tentativa de golpe, apoiadores do presidente da Bolívia se reuniram em frente ao palácio do governo enquanto entoavam slogans pró-democracia. A segurança foi reforçada na região, que contou com a polícia de choque nas portas do local.
Alguns manifestantes também foram vistos em frente à delegacia em que Zúñiga foi detido para dizer que ele deveria ir para a prisão. Segundo analistas, o aumento do apoio público a Arce, mesmo que passageiro, oferece a ele uma trégua importante num momento de crise política.
O presidente boliviano, Luis Arce, denunciou a reunião não autorizada de soldados e tanques em frente aos edifícios do governo na capital La Paz, dizendo que “a democracia deve ser respeitada.”
As tensões no país têm aumentado nas últimas semanas por causa do aumento dos preços. Somado a isso, há um contexto de meses de crescentes tensões entre Arce e o ex-presidente Morales, o primeiro chefe de Estado indígena da Bolívia.
Os dois, que já foram aliados (Arce foi ministro da Economia de Morales, e também foi candidato de seu partido nas eleições de 2020), se afastaram nos últimos anos. Agora, Morales prometeu concorrer contra Arce no pleito de 2025, apesar de uma decisão do Tribunal Constitucional boliviano ter declarado que ele era inelegível porque já cumpriu seus mandatos.
Embora Arce também tenha negado a legitimidade da candidatura presidencial do adversário, o militar afirmou, em tom elevado, que as Forças Armadas são “o braço armado do povo e da pátria” – e prometeu que não permitiria que Morales “pisasse na Constituição” e desobedecesse a vontade do povo.