Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Carlos Roberto Schwartsmann | 14 de junho de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Durante toda minha vida de professor na faculdade de medicina sempre adverti e expliquei aos alunos que a cadeira de anatomia é disparada a mais importante da faculdade!
Nosso corpo ficou praticamente imutável nos últimos 3 milhões de anos.
A anestesia iniciou com Morton, em 1846, com o uso do éter sulfúrico.
Evidentemente todas as técnicas cirúrgicas se desenvolveram depois deste advento. Isto não faz dois séculos!
Os grandes fármacos com produção industrial foram descobertos há menos de um século. Fleming descobriu a penicilina em 1928.
A prática de dissecção no ensino da anatomia identificando tecidos e órgãos é uma experiência básica, primordial, elementar e insubstituível na prática da medicina.
O primeiro sentimento a ser desenvolvido é o ético e o de respeito pelo corpo humano do outro, que ali jaz na maca fria.
A dissecção de tendões, nervos, veias, artérias e músculos é uma prática grupal que desenvolve o espirito de equipe e parceria.
Ninguém opera sozinho!
E ainda a dissecção desenvolve habilidades motoras que serão exigidas, principalmente para os futuros cirurgiões.
Brian O’connor, que morreu em 1999, professor da universidade de Londres, na véspera de se aposentar aos 65 anos e visitando a Santa Casa disse: “Sinto inveja de vocês que ainda tem muitos doentes e muitos cadáveres para serem estudados!”
Isto é verdade segundo dados de 2022, temos 45 mil mortes no trânsito e 41 mil assassinados. Doentes ainda temos bastante, mas cadáveres não temos nem para as faculdades de medicina.
Pesquisa recente, em 30 universidades brasileiras bem avaliadas no ranking de notoriedade, apenas duas responderam que a quantidade de cadáveres que tem a disposição é satisfatória para o ensino.
Hoje temos poucos cadáveres, pois a evolução tecnológica permitiu a identificação dos corpos de maneira mais precisa. Consequentemente há entrega rápida dos mesmos ás famílias. A nossa legislação diz que “somente o cadáver não reclamado junto as autoridades públicas no prazo de 30 dias podem ser destinados as escolas de medicina para fins de ensino e de pesquisa de caráter cientifico”.
Entretanto, talvez a melhor alternativa para suprir cadáveres nas escolas seja um processo voluntário consciente de doação. E necessário que haja completo entendimento da sociedade que este ato irá promover um ensino melhor aos futuros médicos.
A alternativa para o estudo da anatomia é a dissecção em peças sintéticas ou com recursos da tecnologia virtual. A diferença é tão significativa que o professor Façanha da universidade do Ceara alerta a sociedade: “Você prefere ser operado por um médico que dissecou cadáveres ou por aquele que apenas estudou e dissecou em peças sintéticas?” O número de faculdades de medicina quase quadruplicou nos últimos vinte anos. Só temos menos faculdades que a Índia!
Hoje a medicina está tão sem rumo no Brasil. Temos faculdades que, absurdamente, não tem hospital-escola e escolas de medicina que, absurdamente, não tem cadáveres.
Sobram médicos e faltam cadáveres!
Carlos Roberto Schwartsmann – Médico e Professor universitário
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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