O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga uma questão importante para as redes sociais: se uma decisão judicial pode obrigar a retirada de um vídeo do ar em outros países. O caso, que envolve o YouTube, está na 3ª Turma. É a primeira vez que um colegiado da Corte analisa o assunto.
O tema é recente no Judiciário brasileiro. Há poucos precedentes. Apenas seis, segundo levantamento de jurimetria feito pela Juit. Cinco deles são do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e há uma decisão monocrática (de um só ministro) do próprio STJ, que não chegou a analisar o mérito. De todos eles, apenas um, do TJSP, restringiu os efeitos da da decisão apenas ao território nacional.
O caso agora analisado pela 3ª Turma é de uma empresa que pediu a remoção de um vídeo em que apareciam empregados usando uniformes com a sua marca em um local com infestação de ratos, mas sem evidência de que se tratasse de dependências da própria companhia.
Em primeira instância, a empresa obteve liminar para a remoção do vídeo. O Google, dono do YouTube, cumpriu a determinação. Mas o vídeo, segundo a autora da ação, continuava disponível fora do país, o que, para ela, configuraria descumprimento da decisão. O pedido para ampliar o bloqueio, porém, foi negado.
O juízo de primeira instância considerou que “a supressão pretendida surtiria efeitos em países estrangeiros, ferindo os princípios da soberania, não intervenção e autodeterminação dos povos que regem o Brasil em suas relações internacionais”. A decisão acabou reformada pelo TJSP, o que levou o Google a recorrer ao STJ.
Em sua defesa, argumenta não ser normal que “efeitos de decisões judiciais de um país se produzam em outros países, sob pena de se produzir intromissão na soberania de outros países”. Durante o julgamento, o advogado do Google, Eduardo Bastos Furtado de Mendonça, comparou o caso julgado a uma ordem de suspensão de comercialização de um livro, que, para ele, não poderia produzir efeitos em outros países (REsp 2147711).
Por ora, apenas a relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi votou, em sentido oposto ao da argumentação do Google. Ela ressaltou que, mesmo antes da edição do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), as decisões judiciais a respeito de conteúdos publicados na internet já tinham efeitos extraterritoriais,“diante da preocupação com a efetividade e a viabilidade da prestação jurisdicional, sob pena de a rede mundial de computadores se tornar uma ‘terra de ninguém’”.
Para a ministra, “inexiste ofensa, em tese, à soberania estrangeira na efetivação, de forma global, de uma ordem judicial civil específica de indisponibilidade de conteúdo considerado infrator segundo o Direito brasileiro”. O julgamento, após o voto da relatora, foi suspenso por pedido de vista.
Um precedente
No STJ, há apenas um precedente do ministro Antonio Carlos Ferreira. Ele não chegou a analisar o mérito da aplicação extraterritorial de ordem de remoção de conteúdo, por impossibilidade do reexame de provas, e devolveu o caso ao TJSP para fundamentar a abrangência da decisão, mas sem anular seus efeitos, entre os quais estava incluída a extraterritorialidade (AResp 1992350).
O TJSP, então, esclareceu que a tentativa de limitar a remoção de conteúdo ao território brasileiro era uma forma da plataforma de “relativizar e tornar ineficaz a condenação a ela imposta”. No acórdão, a 1ª Câmara de Direito Privado diz que “a recorrente ignora a possibilidade de acesso ao conteúdo impugnado por usuários que utilizam endereços de IP estrangeiros, ainda que situados no Brasil” (processo nº 1047309-35.2016.8.26.0100/50000).
A definição sobre o caso analisado agora no STJ pode ter um impacto significativo, especialmente diante da popularização de ferramentas técnicas como as “Virtual Private Networks” (VPNs), que “forjam” um acesso internacional para permitir a visualização irrestrita de conteúdos bloqueados em um país, segundo aponta Deoclides Neto, fundador e CEO da Juit.
“O posicionamento de estender os efeitos de decisões extraterritorialmente vai ganhar força. Antes uma VPN era um recurso restrito. Só o pessoal da área de tecnologia tinha conhecimento para operar. Hoje em dia é tão simples quanto apertar um botão no navegador”, diz.
O problema, no entanto, talvez não seja de tão simples resolução. Especialistas que não são adeptos da tese da extraterritorialidade apontam que é delicado aplicar entendimento da lei brasileira a outros países, por colocar em risco a soberania deles. As informações são do jornal Valor Econômico.