Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma lei de Uberlândia (MG) que acabava com a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 para crianças e grupos vulneráveis e proibia a aplicação de sanções a quem não se vacinasse. O caso traz mais uma oportunidade para reafirmar princípios básicos sobre o respeito às liberdades individuais e a proteção à saúde pública.
Ao longo da pandemia, grupos negacionistas reivindicavam o direito a recusar a vacinação com base em dois argumentos falhos. Primeiro: afirmar que as vacinas não eram seguras. Segundo: dizer que a liberdade individual assegurada na Constituição garante a cada um autonomia sobre o próprio corpo, portanto para decidir se quer tomar vacina ou vacinar os próprios filhos.
O primeiro argumento é simplesmente uma mentira. Dezenas de estudos científicos, publicados pelas melhores revistas médicas do mundo, avaliaram os riscos e comprovaram que as vacinas compradas pelo Ministério da Saúde são não apenas seguras, mas eficazes, como demonstram milhões de doses aplicadas até hoje, permitindo que o Brasil retomasse a normalidade após o caos da pandemia. Não há motivo para temê-las, a não ser quando se dá crédito a informações descabidas sobre raríssimos efeitos adversos, que circulam nas redes sociais.
O segundo argumento é mais sofisticado, mas não passa de uma falácia. “Estamos discutindo a tese esdrúxula e absurda de que uma pessoa tem o direito fundamental de transmitir doença às demais”, afirmou em seu voto o ministro Flávio Dino. Não há nenhuma justificativa ética para um indivíduo não se vacinar contra uma doença contagiosa. A liberdade individual, como tão bem descreveu Dino, se encerra no exato momento em que se choca com o direito coletivo à saúde.
Como Dino, todos os demais ministros seguiram o voto do presidente, Luís Roberto Barroso. Ele ressaltou que o STF já referendara a vacinação obrigatória nos termos da lei (para os grupos indicados no calendário do Ministério da Saúde), impedindo apenas a imunização forçada, por meio de medidas invasivas, aflitivas ou coercivas. Para Barroso, a lei de Uberlândia — aprovada em 2022 e suspensa desde o ano passado por liminar — ignorava os parâmetros estabelecidos pelo STF, além de contrariar o consenso médico-científico sobre a importância da vacina para reduzir risco de contágio. “Ao argumento de proteger a liberdade daqueles que decidem não se vacinar, na prática a lei coloca em risco a proteção da saúde coletiva”, disse.
Somente neste ano, a Covid-19 matou mais de 5.400 brasileiros. Desde 2020, centenas de milhares perderam a vida para a doença (o número oficial, 714 mil, é conservador diante do impacto da pandemia). O controle da doença exige vacinação maciça. Do contrário, o vírus continua causando estrago. O que se deveria discutir é como aumentar os índices ainda insuficientes de vacinação, e não como dificultá-la ainda mais. (Opinião/O Globo)