O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (2) que todas as requisições administrativas de bens e serviços realizadas por Estados, municípios e Distrito Federal para o combate ao coronavírus não dependem de prévia análise nem de autorização do Ministério da Saúde, mas devem se fundamentar em evidências científicas e serem devidamente motivadas. Por unanimidade dos votos, a Corte julgou improcedente pedido da CNSaúde (Confederação Nacional de Saúde) contra a validade de dispositivos da Lei 13.979/2020 que permitem aos gestores locais de saúde adotarem a requisição sem o controle da União.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6362, a confederação pretendia que as requisições entre entes da federação fossem feitas de maneira coordenada pela União, com prévia aprovação do Ministério da Saúde, após a realização de estudos. Hoje, o advogado Marcelo Lamego Carpenter, da CNSaúde, afirmou que o objetivo da ação era solucionar um problema grave de conflito de requisições que tem inviabilizado a gestão da saúde no país. “Havendo conflito, que haja uma prevalência entre as requisições e que elas sejam fundamentadas”, sustentou.
O advogado da União Raphael Ramos Monteiro de Souza, ao representar a Presidência da República, defendeu que a Lei 13.979/2020 apenas explicitou a necessidade de requisição de insumos ao combate específico da Covid-19 e observou que as situações em que é possível fazer requisições administrativas já estão disciplinadas na Constituição Federal. Segundo ele, a descentralização pode ser mitigada em situações específicas, para dar mais eficiência à atuação do poder público. A AGU se manifestou pela procedência parcial do pedido para que, nas hipóteses de eventuais conflitos, fosse observado o critério da precedência da contratação, assegurando a primazia da iniciativa federal em caso de superescassez de âmbito nacional.
Em nome da Procuradoria-Geral da República (PGR), o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros ressaltou que os conflitos nas requisições administrativas são pontuais e não chegam a afetar o campo nacional. Segundo ele, há uma autoridade sanitária responsável em todos os âmbitos (municipal, estadual e federal) para alocar, de forma racional e efetiva, bens e serviços disponíveis e necessários diante da pandemia. “O sistema é racionalmente organizado para analisar toda a situação”, afirmou.
O voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, orientou o entendimento da Corte sobre a matéria. Ao votar pela improcedência do pedido, ele avaliou que as requisições são medidas urgentes e não podem depender de consulta ou estudo. Segundo ele, não houve requisições administrativas na maioria dos casos ocorridos na pandemia, mas apenas a aplicação da medida em hipóteses isoladas. “O índice de ocupação das UTIs não atingiu o estágio de esgotamento”, assinalou. “Portanto, se as requisições existiram, foram pontuais e em número desprezível”.
De acordo com o relator, ao dispor sobre medidas de enfrentamento ao coronavírus, a lei se refere a uma autoridade plural, não discriminando se é municipal, estadual ou federal. Para ele, não deve haver primazia no poder de requisição, mas uma cooperação necessária entre os entes e uma responsabilidade comum. Lewandowski ressaltou que o federalismo fortalece a democracia, porque permite o acesso do cidadão ao governante mais próximo e, nesse sentido, os municípios são os primeiros a reagir numa situação de pandemia.
Para o relator, é impossível delegar ao Ministério da Saúde, de forma abstrata, a avaliação caso a caso de todas as requisições administrativas de bens e serviços de saúde. “Não há evidências de que o Ministério da Saúde, embora competente para coordenar em âmbito nacional as ações de vigilância epidemiológica e sanitária, tenha capacidade de analisar e solucionar tempestivamente as multifacetadas situações emergenciais que eclodem em cada uma das regiões ou localidades do país”, observou.
Por esses motivos, o Tribunal decidiu fixar a seguinte tese: “Não há impedimento nem suspeição nos julgamentos de ações de controle concentrado, exceto se o próprio ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação”. Ficou vencido nesta questão o ministro Edson Fachin. As informações são do STF.