Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 30 de novembro de 2021
Flávio é acusado de recolher parte dos salários de ex-funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro
Foto: Pedro França/Agência SenadoA Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta terça-feira (30), por 3 votos a 1, uma ação do Ministério Público do Rio e, portanto, manteve o foro privilegiado para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”.
Os ministros também decidiram anular quatro dos cinco relatórios de movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro que embasaram as investigações do MP – na prática, esvaziando o inquérito.
As chamadas “rachadinhas” consistem na prática de confisco, por parlamentares, de parte dos salários de assessores de seus gabinete.
Flávio Bolsonaro chegou a ser denunciado pelo Ministério Público do Rio sob acusação de ter enriquecido ao se apropriar de salários de funcionários do gabinete dele, no período em que era deputado estadual.
Para o MP, Flávio Bolsonaro teria participado de um desvio de mais de R$ 6 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Nesta terça, a Segunda Turma julgou dois processos envolvendo as investigações. Na primeira parte da sessão, por 3 votos a 1, os ministros rejeitaram uma ação do MP do Rio e mantiveram o foro privilegiado do senador.
Na sequência, pelo mesmo placar, os ministros acolheram um pedido da defesa de Flávio e decidiram anular quatro relatórios de inteligência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) enviados ao Ministério Público. Foi preservada apenas a primeira comunicação entre os órgãos, com dados básicos das operações financeiras sob suspeita.
Foro privilegiado mantido
A discussão sobre a manutenção do foro privilegiado de Flávio Bolsonaro esperava, há quase um ano e meio, pela decisão do Supremo.
Em junho do ano passado, uma decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio reconheceu o direito de Flávio Bolsonaro ao foro privilegiado no caso porque ele era deputado estadual à época dos fatos.
Com essa decisão, o processo passou da primeira para a segunda instância, ou seja, para o Órgão Especial do TJ. Até então, o juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, era o responsável pela ação.
O Ministério Público do Rio recorreu ao STF por entender que essa decisão contrariou entendimento da Corte que restringiu o foro privilegiado a casos que tenham relação com o mandato ou com o exercício do cargo.
Segundo os investigadores do Ministério Público do Rio (MP-RJ), há jurisprudência em tribunais superiores definindo que o foro acaba quando o mandato termina. E que como Flávio Bolsonaro não é mais deputado estadual, o caso deveria ter permanecido na primeira instância.
Neste mês de novembro, o Superior Tribunal de Justiça anulou todas as decisões tomadas pela Justiça do Rio de Janeiro no início das investigações do caso das “rachadinhas”. Depois, o tribunal decidiu que a investigação só poderá andar com uma nova denúncia.
A maioria dos ministros entendeu que a ação apresentada pelo MP do Rio era incabível porque os promotores perderam o prazo para recorrer ao próprio TJ do Rio.
Os ministros entenderam ainda que não houve a violação das novas regras fixadas pelo Supremo porque a tese não se aplicava aos chamados mandatos cruzados, quando um parlamentar deixa uma Casa Legislativa para exercer mandato em outra.
Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o entendimento do TJ não violou a nova regra do foro fixada pelo Supremo.
“Independente de concordarmos com a posição do TJ do Rio, o que está em debate é se a autoridade do STF foi violada. Desde a proferida decisão, não ficou claro o alcance da modificação da jurisprudencial”, disse.
O ministro ainda apontou problemas processuais, como o fato de o MP ter perdido o prazo para recorrer ao próprio TJ do Rio.
“Ocorreu a perda do prazo para recorrer. Essa situação processual sugere que o MP busca um caminho processual considerado ilegítimo para reformar a decisão”.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a restrição do foro privilegiado fixada pelo Supremo não atinge os mandatos cruzados, como no caso de Flávio Bolsonaro. O ministro ainda apontou problemas processuais para que a ação do MP fosse acolhida. “Não há impedimento consolidado nessa casa quanto aos chamados mandatos cruzados”, disse.
O ministro Nunes Marques concordou com os dois colegas. Já o ministro Edson Fachin foi o único a votar para derrubar o foro de Flávio e devolver o caso à primeira instância.
Segundo Fachin, o TJ do Rio se embasou num entendimento antigo e derrubado pelo Supremo que preservava o foro previsto na época em que a suposta prática criminosa ocorreu.
Relatórios do Coaf
Os ministros ainda julgaram um pedido da defesa do parlamentar para arquivar as investigações diante de irregularidades ao longo das apurações, entre elas, os relatórios produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e compartilhados com o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Em março, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legal o compartilhamento com o MP do Rio de Janeiro dos dados reunidos pelo Coaf.
No pedido feito ao STF, a defesa do senador afirma que houve irregularidades na atuação do Coaf e do MP-RJ e que, por isso, todos os atos praticados a partir dos relatórios devem, segundo a defesa, ser considerados nulos.
Os relatórios do Coaf foram a base da investigação das rachadinhas. Mostraram indícios de que, no período em que Flávio Bolsonaro foi deputado estadual, funcionários dele devolviam parte dos salários que recebiam.
Fabricio Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, apareceu no documento com movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão.
Os relatórios também ajudaram os promotores a investigar e identificar depósitos fracionados feitos em dinheiro vivo na conta de Flávio Bolsonaro e ainda uma série de transações imobiliárias suspeitas do senador.
Relator, o ministro Gilmar Mendes afirmou que houve irregularidade na elaboração dos relatórios do Coaf, sendo que o Ministério Público teria solicitados dados após receber o primeiro relatório, o que é proibido. Gilmar disse que houve uma investigação disfarçada. Sendo que o Tribunal de Justiça deveria ter sido comunicado pelo MP sobre a apuração em andamento.
“Entendo que a formação dos RIFs [relatórios do Coaf] se deu em desacordo com as balizas fixadas pelo Supremo. A primeira razão de nulidade está relacionada que a produção de RIFs por intercâmbio ter ocorrido sem ter sido instaurada formalmente em face do paciente qualquer investigação preliminar”, afirmou.
Lewandowski concordou com o relator e disse que a lei não admite relatório por encomenda.
“Foram produzidos sob encomenda, antes da prévia formalização da investigação do paciente [Flávio]. Esse procedimento foi levado e desenvolvido ao arrepio das regras e requisitos estabelecidos pelo Supremo”.
Edson Fachin voltou a divergir dos colegas e considerou legais os relatórios.