Ícone do site Jornal O Sul

Supremo não decretou o fim do sigilo bancário no Brasil; entenda o que aconteceu

Após o voto de Alexandre de Moraes, favorável às cooperativas, e contrário, de Flávio Dino, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado nesta semana. (Foto: STF/Divulgação)

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela constitucionalidade da obrigação de instituições financeiras fornecerem dados de clientes aos fiscos estaduais. Notícias falsas circulam na internet afirmando erroneamente que a decisão do Supremo acabaria com sigilo bancário. Na verdade, a decisão do Supremo reafirma o compartilhamento de informações financeiras para fiscalização tributária, sem prejuízo do sigilo bancário, que continua sendo um direito fundamental.

Os ministros da Corte decidiram, em julgamento pelo Plenário Virtual na última sexta-feira (6), pela constitucionalidade do dispositivo de compartilhamento de informações, estabelecido pelo Convênio Confaz–ICMS nº 134, firmado em 2016. O placar final foi de seis votos a cinco.

O compartilhamento dessas informações é feito para fiscalização de pagamentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). A ação foi ajuizada pelo Conselho Nacional do Sistema Financeiro (Consif), que argumentava que o convênio é inconstitucional, pois conferiria ao Confaz a competência para mitigar o sigilo bancário dos clientes de instituições financeiras.

A ministra e relatora do caso, Cármen Lúcia, votou pela validade da norma,
considerando que ela visa o aperfeiçoamento da atividade fiscalizatória das fazendas estaduais, além da responsabilidade de manutenção do sigilo ser transferida das instituições para as autoridades fiscais.

“À administração tributária dos Estados e do Distrito Federal é imposta a tarefa de manter os dados das pessoas físicas e jurídicas fora do alcance de terceiros, utilizando-os de forma exclusiva para o exercício de suas competências fiscais”, afirmou Cármen Lúcia.

Direito

O sigilo bancário é um direito fundamental implícito na Constituição Federal,
quando se menciona o direito à intimidade e à vida privada no art. 5º, inciso X, além de ser protegido por leis infraconstitucionais, como a Lei Complementar nº 105/2001.

Leonardo Roesler, advogado tributarista e sócio do RMS Advogados, aponta que a decisão do STF não deve ser confundida com o fim do sigilo bancário, considerando que o julgamento apenas admitiu, em conformidade com a legislação vigente, a possibilidade das administrações tributárias estaduais terem acesso a informações financeiras, desde que com o objetivo específico de fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias.

“A transferência desses dados para os órgãos fiscais não representa uma quebra de sigilo bancário generalizada ou indiscriminada, mas um mecanismo legal e limitado de fiscalização, preservando o sigilo dentro da administração
tributária e impedindo a divulgação pública ou o uso para finalidades estranhas à fiscalização fiscal”, disse Roesler.

O especialista acrescenta que a decisão do STF não permite o acesso irrestrito e ilimitado aos dados bancários dos contribuintes, mas um acesso controlado,
circunscrito à administração tributária e utilizado exclusivamente para fins fiscais, além de ir de acordo com a jurisprudência da própria Corte a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 601.314.

Em consonância com o voto da ministra Cármen Lúcia, Roesler também aponta que a Lei nº 5.172/1966, no artigo 198, estabelece que as informações fiscais obtidas pela Fazenda Pública devem ser protegidas por sigilo, sendo vedada a divulgação desses dados, salvo nas hipóteses expressamente previstas em lei.

Dessa forma, segundo o especialista, não há um fim do sigilo bancário ou acesso irrestrito à informações financeiras, mas da confirmação de constitucionalidade de uma norma de flexibilização controlada.

O ICMS é uma das principais fontes de arrecadação tributária no âmbito estadual. Sendo um imposto de competência estadual, os Estados têm a responsabilidade de garantir o seu recolhimento e fiscalização.

Roesler aponta que a crescente utilização de meios de pagamento eletrônicos, como o Pix, cartões de crédito e débito, tem aumentado a complexidade da fiscalização por parte dos Estados, que tentam combater a evasão fiscal e a sonegação de impostos.

Risco

O especialista acrescenta que a transferência de dados bancários, mesmo que para autoridades fiscais, pode suscitar preocupações quanto ao risco de vazamentos de dados.

“Ainda assim, é necessário destacar que a legislação brasileira, bem como o entendimento dos tribunais superiores, impõe uma série de garantias legais e salvaguardas que visam justamente mitigar esses riscos, assegurando a proteção dos dados pessoais e o sigilo fiscal”, disse o advogado.

Dentre elas, Roesler destaca a Lei Complementar nº 105/2001, que regula o sigilo bancário e sujeita a administração tributária a rigorosas obrigações de sigilo e proteção dessas informações, especialmente em seu artigo 1º.

“Apesar das garantias legais, é inegável que o risco de vazamentos de dados ou de uso indevido das informações por parte dos agentes públicos existe. A jurisprudência do STF, ao permitir o compartilhamento de dados financeiros para fins de fiscalização, impõe uma série de limites e responsabilidades à administração pública, justamente para prevenir abusos”, acrescentou.

Sair da versão mobile