Segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 9 de fevereiro de 2025
“Nós sempre estivemos lá ao seu lado, sofrendo com vocês, o povo americano”, disse, no fim do mês passado, o premier canadense, Justin Trudeau, ao comentar o tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ao seu país. A aplicação das medidas foi adiada, mas o ressentimento se espalhou pela sociedade canadense, desde pedidos de boicote a produtos “Made in USA” até vaias ao hino americano em eventos esportivos.
O vizinho mais rico dos EUA não foi o único a sofrer com ameaças comerciais e com outras ações de um presidente que parece testar os limites da maior potência militar e econômica do planeta. E diante de um líder que faz da imprevisibilidade sua principal estratégia, alguns países e blocos começam a pensar em um plano B, que cada vez mais passa pela China.
O primeiro alvo do tarifaço foi a Colômbia, que se recusou a receber um avião com cidadãos deportados pelos EUA, e foi taxada, ainda em janeiro, com tarifas de 25% sobre seus produtos, além de sofrer sanções a autoridades locais. Os dois chegaram a um acordo dias depois, assim como o México, contra quem os EUA também aplicaram medidas econômicas — citando o tráfico de fentanil e a imigração —, suspensas até o mês que vem.
Analistas acreditam que a aplicação de tarifas para os demais países da América Latina, especialmente os que não prestam lealdade a Trump — as exceções são Argentina e El Salvador — é uma questão de tempo. Mas para Flávia Loss, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, não há na região um movimento conjunto para lidar com o governo Trump 2.0.
“O que mais impede que a América Latina tenha uma resposta conjunta frente a essa política externa tão agressiva do governo Trump é a profunda divergência ideológica entre os presidentes da região”, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo. “Então, os fóruns políticos que poderiam ser usados, por exemplo, para discutir esse assunto, não funcionam como deveriam.”
Na visão de Loss, a pressão excessiva pode empurrar os países “não leais” para outros ares — especialmente para a China, hoje segunda maior parceira comercial da América Latina, e cuja influência na região já preocupava Washington antes mesmo da posse de Trump.
Além dos laços comerciais, Pequim cultiva parcerias estratégicas na região que vão desde a construção de infraestruturas até a cooperação militar e aeroespacial. No ano passado, Brasil e China, por exemplo, realizaram exercícios militares, e os chineses incrementaram a colaboração policial com países como Bolívia e Venezuela.
O país ainda realizou investimentos no Canal do Panamá, que ajudaram a motivar as acusações de Trump de que Pequim controlaria a passagem naval. E na quinta-feira passada, a Colômbia anunciou a abertura de uma rota comercial unindo os portos de Buenaventura e Xangai.
“As ações agressivas e o isolacionismo de Trump, exemplificados por ataques a aliados históricos, e o desmonte da presença americana em instituições globais, criaram um vácuo de poder que posiciona a China como a principal candidata a preenchê-lo”, disse Alexandre Coelho, doutor pela Universidade de São Paulo (USP). “Com sua força econômica, liderança tecnológica e crescente influência institucional, especialmente por meio de projetos como a Iniciativa Cinturão e Rota, o país aproveita a ausência dos EUA para moldar normas globais em áreas estratégicas como tecnologia e governança internacional.”
Longe do Sul Global, a Europa também antecipa o “risco Trump”. O presidente americano disse que “em breve” aplicará um tarifaço contra a União Europeia (UE), citando um déficit comercial que gira em torno de € 150 bilhões (R$ 960 bilhões) por ano.
As primeiras reações sugeriram um caminho conjunto, contrastando com um avanço recente dos eurocéticos, que viam na vitória de Trump um impulso para as próximas eleições, como na Alemanha, que escolhe novo Parlamento no fim do mês. Agora, até vozes da extrema direita, como o secretário-geral do francês Reagrupamento Nacional (RN), Renaud Labaye, afirmam que “apoiar um sujeito que pode ter efeitos negativos no seu país não é uma boa estratégia”.
“Nestes quatro anos, a UE buscará uma certa autonomia. Trump tem provocado os países europeus de forma geopolítica, a questão da Groenlândia tem incomodado, e também interfere o que aconteceu com o Canadá, que é um aliado, um vizinho, e foi tratado daquela forma”, afirmou Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM.
Para Uebel, a UE “tem feito uma análise de risco”, e já observa outras possibilidades, como o fortalecimento e implementação plena do acordo com o Mercosul. A China também surge no radar, mas com certo grau de cautela: afinal, Pequim e Bruxelas, embora mantenham um comércio bilateral robusto, têm diferenças políticas e econômicas profundas.
“É uma linha tênue que precisamos percorrer. Mas ela pode nos levar a um relacionamento mais justo e equilibrado com um dos gigantes econômicos do mundo. E isso pode fazer sentido para a Europa”, disse, na semana passada, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
E nem apenas de tarifas se faz o “risco Trump”. O presidente americano quer que os países da Otan, principal aliança militar do Ocidente e liderada pelos EUA, aumentem de 2% para 5% do PIB seus gastos com defesa, e nem mesmo os aliados da organização têm sido poupados de ameaças. O republicano tem pressionado a Dinamarca para que ceda ou venda a Groenlândia, e em mais de uma ocasião disse que o Canadá deveria se tornar o 51º estado americano. Os dois são membros fundadores da Otan. As informações são do jornal O Globo.