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Técnicos do Ministério da Fazenda alertaram para risco de fraude com o novo Auxílio Gás

Equipe advertiu também o ministro Fernando Haddad para a possibilidade de gastos serem considerados irregulares. (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

A área técnica do Ministério da Fazenda alertou para o risco de fraude e de despesas serem classificadas como irregulares com a adoção do novo desenho para o Auxílio Gás, cujo projeto foi enviado no fim de agosto ao Congresso. Apesar dos avisos, o texto acabou levando a assinatura do ministro Fernando Haddad. O projeto também é assinado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira – defensor da mexida no benefício.

Atualmente, o benefício envolve recursos do Orçamento da União e se submete ao arcabouço fiscal, que limita as despesas do governo federal. O poder público repassa o dinheiro diretamente para que famílias de baixa renda comprem o gás de cozinha.

O projeto de lei apresentado pelo governo prevê uma mudança nesse repasse. O programa – rebatizado de Gás para Todos – passaria a ser operado pela Caixa Econômica Federal, que poderia receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. Em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, essas empresas repassariam o dinheiro ao banco estatal, descontando o valor da contribuição que fariam ao fundo.

A engenharia financeira criada pelo governo foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público – e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.

O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial. Com isso, o desembolso saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para cerca de R$ 5 bilhões, em 2025, e alcançaria R$ 13,6 bilhões em 2026, de acordo com as projeções do Ministério de Minas e Energia.

“O modelo de descontos diretos pode gerar incentivo a fraudes na política pública, a exemplo da revenda de botijões por beneficiários ou da existência de operações fictícias entre revendedores e beneficiários”, diz nota técnica da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda elaborada no dia 23 de agosto, três dias antes de o projeto ser anunciado.

Coube à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, também vinculada ao Ministério da Fazenda, tecer conclusões sobre os aspectos orçamentários do projeto. O órgão identificou “potenciais efeitos financeiros” envolvendo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), “cujo cumprimento pode ser atestado no momento da regulamentação, sob pena de as despesas serem consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público”. Essa manifestação foi feita às 20h do dia 26 de agosto, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Silveira já haviam anunciado a proposta.

A Consultoria de Orçamentos da Câmara também já havia citado uma série de violações à Constituição e às leis na proposta pelo pagamento de despesas à margem do processo legislativo orçamentário. “Desse modo, ainda que o pagamento desse dispêndio represente uma despesa primária, a não consignação dessas despesas na lei orçamentária anual da União implica que os montantes envolvidos em tal operação não estarão sujeitos aos limites de despesas estabelecidos pelo RFS (Regime Fiscal Sustentável – o novo arcabouço fiscal)”, diz nota da consultoria.

“Eventuais erros”

Após o envio do projeto – e diante das reações –, o Ministério da Fazenda admitiu preocupações e passou a defender a correção de “eventuais erros”. Haddad chegou a dizer que o formato seria revisto para trazer as despesas para dentro do Orçamento. Até o momento, porém, não houve essa correção.

O Orçamento de 2025 foi elaborado pelo governo incorporando o novo modelo. O governo cortou 84% da verba do Auxílio Gás na proposta, deixando recursos insuficientes para bancar o benefício no próximo ano. Dessa forma, as despesas já começariam a vir da nova operação.

Outros ministros defendem o projeto como foi enviado. “Sem papas na língua, eu defendo que seja pago pelos fundos. Qual é o problema que tem o Fundo Social do Pré-Sal pagar isso? Isso aqui é ou não social?”, questionou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. Com a mudança, o Auxílio Gás sairia da alçada da pasta e iria para a do Ministério de Minas e Energia.

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