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Por Redação O Sul | 25 de abril de 2020
Organização Alcoólicos Anônimos (AA) identifica aumento na busca de informações sobre o grupo.
Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilA adesão de quem pode ficar em casa às recomendações de isolamento social como forma de retardar o avanço do novo coronavírus (covid-19) vem provocando mudanças nos hábitos de consumo em todo o mundo. Uma delas, em particular, preocupa especialistas e autoridades em saúde: o eventual aumento do consumo de bebidas alcoólicas no ambiente doméstico.
Dados da organização não governamental (ONG) Alcohol Change UK apontam que, no Reino Unido, uma em cada cinco pessoas afirma que passou a beber mais em casa desde que, em 24 de março, o governo proibiu as pessoas de saírem às ruas, salvo para comprar itens essenciais. Além disso, segundo a ONG, a crise sanitária e o medo de seus reflexos econômicos potencializam a ansiedade, tornando ainda mais difícil para as pessoas largar o vício em álcool.
No Brasil, a organização Alcoólicos Anônimos (AA) afirma ter identificado um aumento de busca de informações sobre o trabalho do grupo. “Observamos que, diante de tudo o que está acontecendo, pessoas que nunca tinham procurado informações sobre o AA passaram a procurar ajuda. Visitando nosso site, ficaram sabendo das reuniões a distância, entraram na sala e começaram a participar” disse a psicóloga Camila Ribeiro de Sene.
Para dar continuidade ao atendimento, mesmo durante a quarentena, o grupo tem recorrido ao uso da tecnologia e encontrou nos aplicativos de videochamada uma alternativa às reuniões presenciais que os cerca de 5 mil grupos espalhados pelo país promoviam até o novo coronavírus chegar ao país. “A tecnologia tem nos permitido superar distâncias, mantendo-nos próximos em um momento difícil”, disse a psicóloga, explicando que muitos dos internautas que chegam a uma das salas do AA por meio do site da organização nunca tinham pensado em frequentar as reuniões presenciais. “Algumas [pessoas] se sentiram mais à vontade, já que não precisam ligar suas câmeras nem mesmo usar seus verdadeiros nomes”, contou Camila, garantindo que as ferramentas digitais têm se mostrado eficazes e seguras – desde que observadas as recomendações do grupo.
Na página do AA, é possível acessar a reunião online que ocorre todos os dias, às 20h, e é aberta a qualquer pessoa. O programa necessário pode ser facilmente acessado pelo computador, tablet ou telefone celular do tipo smartphone. Além disso, muitos grupos, em muitas cidades, criaram seus próprios espaços de encontro digitais, recorrendo inclusive ao WhatsApp.
“Quem já frequentava um grupo presencial sente falta, pois surgem afinidades entre as pessoas. Manter-se sóbrio é um grande desafio, principalmente em situações de estresse, que favorecem um maior consumo não só do álcool, mas também de outros produtos, como o cigarro. E neste momento, confinadas, preocupadas, as pessoas, em geral, estão emocionalmente fragilizadas. Daí a importância de oferecermos suporte”, concluiu Camila.
A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), por sua vez, mobilizou médicos voluntários para oferecer, gratuitamente, atendimento psicológico e psiquiátrico online a dependentes químicos e seus familiares. Com foco em pessoas de baixa renda, o auxílio pode ser agendado pelo número de Whatsapp (51) 98053-6208. O atendimento é diário, das 8h às 22h. Iniciada no fim de março, a ação deve ser encerrada neste domingo (26).
A professora do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Zila Sanchez disse que algumas pessoas, equivocadamente, tendem a ver nas bebidas alcoólicas uma maneira de relaxar, por considerar que o álcool diminui a ansiedade. “O problema é que o álcool tem um alto potencial de causar dependência e intoxicação. Seu consumo frequente aumenta as chances de ocorrência de acidentes domésticos e de episódios de violência, além de agravar transtornos psíquicos, como a depressão. Para não dizer que ele facilita a contaminação pelo próprio coronavírus, já que é um imunodepressor que afeta a imunidade”, acrescentou Zila.
Números do setor
O Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) informou à que ainda está analisando o impacto da pandemia sobre o setor. Ainda assim, antecipou que, devido ao fechamento de bares e restaurantes e ao cancelamento de grandes eventos, a tendência é de uma queda nas vendas gerais. A Heineken afirma que, em março, as vendas de cerveja da marca ficaram 20% abaixo do resultado do mesmo mês de 2019. Tanto a Heineken quanto o SindiCerv não detalham os resultados das vendas em supermercados, hipermercados, mercearias e outros estabelecimentos varejistas.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) informou que o resultado das vendas de março, quando o vírus começou a se espalhar pelo país, só serão conhecidos no início de maio. Já a consultoria Kantar, que monitora o comportamento dos consumidores a fim de identificar tendências de negócios, observou que, no início de abril, a venda de cervejas e bebidas destiladas no varejo registrou crescimento. A comercialização de cervejas, de acordo com a Kantar, aumentou 22,5% na primeira semana do mês em comparação com a última semana de março.