Facebook, Twitter e TikTok vêm desempenhando papel importante na invasão da Ucrânia, principalmente na transmissão de informações sobre o conflito. Mas nenhuma dessas redes têm operado como o Telegram. O aplicativo de mensagens virou ferramenta fundamental na zona de combate para ambos os lados, permitindo a convocação e a realização de atividades militares, a organização de civis e a disseminação de propaganda estatal.
Bloqueado no Brasil na sexta (18), pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o Telegram está espalhado por todos os cantos da guerra. Em alguns grupos, bots e canais de inteligência russa são compartilhados para coletar informações de soldados ucranianos.
No Twitter, Kamil Galeev, jornalista e pesquisador independente ligado ao Wilson Center, afirma que bots conseguem interceptar informação no app e descobrir a movimentação de tropas da Ucrânia, assim como a identidade dos militares e seus familiares — o jornalista fez uma coleta de informações na plataforma e descobriu que o artifício já estava sendo usado por russos para matar cidadãos e soldados ucranianos.
Em uma rápida navegação pelo app, é fácil também cair em listas de procura de desaparecidos e de recrutamento de combatentes. Segundo um levantamento da empresa de cibersegurança Check Point, 27% dos grupos na região são destinados a convocar hackers e profissionais de TI para montar uma ofensiva cibernética contra o país vizinho – 81% desses grupos são ucranianos e 19% são russos.
Nesses grupos e canais, há mensagens com informações sigilosas e ordens de ataque contra os oponentes – alguns passam dos 250 mil inscritos.
Ponto de vista
Além de atividades de combate e resistência, o Telegram virou um aliado para a organização dos cidadãos ucranianos que permaneceram no país. No Twitter, Ashleigh Stewart, jornalista da Global News no Canadá, conta que uma voluntária ucraniana foi morta após criar um grupo no Telegram para ajudar um abrigo de cães. No app, Anastasiia Yalanskaya publicava, além de pedidos de ajuda, informações sobre o que estava acontecendo onde vivia, em uma cidade perto de Kiev. O carro dela foi encontrado nos arredores da cidade atingido por tiros.
Para quem está fugindo, é uma forma de manter contato com quem fica. “Muitas famílias estão se separando. Há homens ficando para lutar, crianças atravessando fronteiras sozinhas. E o Telegram é a chave para obter notícias”, diz David Nemer, professor da Universidade da Virgínia (EUA).
Para quem está na Rússia, o app é uma das poucas janelas com uma visão sobre o conflito que não é mediada pelo Kremlin. Apesar do bloqueio das redes sociais americanas no país, o Telegram continua operando. “O Telegram entende que é um canal de informação relevante, tanto para Rússia quanto para Ucrânia. No território russo, por exemplo, ele atua como uma espécie de resgate para aquelas pessoas dispostas a não acreditar na máquina de propaganda estatal russa”, explica Bruna Santos, integrante da coalizão Direitos na Rede.
O amplo uso pela população fez com que o governo ucraniano tornasse o app o seu principal canal de comunicação com os cidadãos – e todo o resto do mundo. Isso tranformou o presidente Volodmir Zelenski em uma celebridade global no serviço. Ele tem o canal de política mais seguido no mundo, com mais de 1,5 milhão de inscritos, segundo o site de análises Telegram Analytics — antes do conflito, o canal tinha 56 mil pessoas. O alcance das publicações já ultrapassa 2 milhões de pessoas.
O uso habilidoso do app pelo presidente, membros do seu governo e outros políticos ucranianos locais contrastam com a presença quase invisível de autoridades russas no aplicativo. O resultado é que as narrativas do país atacado ganharam forte presença na plataforma.