Se o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, vê como uma “tempestade fictícia” a divulgação de pedidos do ministro Alexandre de Moraes, via Whatsapp, por relatórios do Tribunal Superior Eleitoral sobre bolsonaristas, pode-se dizer que uma ‘tempestade perfeita’ colocou o relator do inquérito das fake news no centro de holofotes e críticas. As polêmicas envolvendo Moraes começaram quando ele foi designado relator do inquérito das fake news, mas uma série de eventos, incluindo uma “coincidência”, contribuíram para o “protagonismo” do ministro, cuja atuação agora é questionada.
Foram levantados diferentes pontos de repercussão na carreira do ministro e juristas dissecaram os fatores que colocaram Moraes em tamanha evidência – tanto características pessoais do ministro como conjunturas e episódios protagonizados por ele, muitos deles relacionados aos inquéritos sob sua condução, que foram se alargando. Nas avaliações dos especialistas “não há uma novidade” no caso Moraes e que o mesmo envolve um “problema de desenho institucional”.
O primeiro – e principal fator – que jogou Moraes no olho do furacão foi o inquérito das fake news, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli em 2019. Na época, sob protestos da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Toffoli disse que o inquérito iria apurar infrações “em toda a sua dimensão”.
Logo em seguida, em 2020, por sorteio, aportou no gabinete do ministro o inquérito dos atos antidemocráticos, que se desdobrou, em 2021, para a investigação sobre milícias digitais. Em 2022, as investigações passaram a abarcar também atos como o bloqueio de rodovias e os pedidos de intervenção militar em acampamentos golpistas. Em 2023, a equipe de Moraes ainda passou a cuidar das investigações e das ações penais dos atos de 8 de janeiro.
Enquanto tais investigações se ramificavam, desde 2019, avançando em especial sobre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, o rescaldo das eleições 2018 fez o Tribunal Superior Eleitoral endurecendo o combate à desinformação – portanto, abordando temas comuns aos que eram investigados no STF. Moraes só assumiu a Corte máxima em 2022, mas antes disso deu posicionamentos contundentes em julgamentos que estabeleceram precedentes importantes sobre “notícias falsas” e ataques ao sistema eleitoral.
Nesse ínterim, as decisões de Moraes – como a ordem de suspensão do Telegram no País e as autorizações para megaoperações que miravam bolsonaristas – geravam polêmicas e reação por parte dos grupos atingidos e descontentes com os despachos. O antagonismo com o ministro gerava ataques nas redes sociais. Muitas dessas ofensivas, por sua vez, acabaram sendo incluídas nos inquéritos em tramitação no STF, como uma espécie de retroalimentação.
A mais recente polêmica que paira sobre Moraes envolve diálogos entre o juiz auxiliar de seu gabinete e o ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação. Nas conversas reveladas pelo jornal Folha de S.Paulo, os subordinados do ministro tratam de ordens para a produção, pelo TSE, de relatórios sobre aliados do ex-presidente. Os documentos eram remetidos ao Supremo e anexados aos inquéritos das fake news e das milícias digitais.
Moraes argumenta que todos os documentos produzidos pela Corte eleitoral foram juntados aos processos e compartilhados com a Procuradoria-Geral da República e com a Polícia Federal. “Não há nada a esconder”, indicou. “Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto-oficiar”, ponderou sobre a suposta informalidade dos pedidos.
Na avaliação do professor Rubens Glezer, da FGV Direito, traços e características pessoais renderam a Moraes seu protagonismo na dinâmica interna da Corte máxima. Um dos coordenadores do centro “Supremo em Pauta”, Glezer destaca o currículo do hoje ministro – Moraes foi promotor de Justiça em São Paulo e Secretário de Segurança Pública de São Paulo.
Rubens Glezer ressalta como o inquérito das fake news, aberto à pretexto de “preservar a imagem pública dos ministros e de seus familiares de ataques”, deu centralidade à figura de Moraes. O professor lembra inclusive que a investigação rendeu a Moraes o apelido de ‘xerife’ do Tribunal.
O inquérito foi instaurado com base em artigo do regimento interno do STF que permite ao presidente da Corte indicar o relator de uma investigação.
“O desenvolvimento da polarização do País e a mobilização do bolsonarismo, da sua base eleitoral, na crítica ao STF e a campanha de desmoralização e fragilização da corte como instância de controle da presidência colocou eles (Moraes e o bolsonarismo) no embate direto e também num segundo momento parte do bolsonarismo questionar o processo eleitoral”, avalia.
Outros momentos da trajetória de Moraes destacados por Glezer são a presidência do TSE e a atuação do ministro ante aos atos antidemocráticos em diferentes feriados da Independência durante o governo Bolsonaro.
O professor lembra que, no 7 de Setembro de 2021, o ex-presidente centrou os ataques em Moraes, inclusive em um tom virulento que gerou até pedido de desculpas. “Ele (Bolsonaro) entende que ali é um ponto focal onde os bolsonaristas e lavajatistas mais se ressentem, pelos inquéritos das fake news e atos antidemocráticos”. As informações são da AE.