A morte de Ebrahim Raisi está muito além de ser apenas a perda do Presidente do Irã. Raisi, além de presidir a teocracia iraniana, era o principal candidato a sucessor de Líder Supremo do país, posição ocupada por Ali Khamenei desde 1989. Tudo se torna ainda mais turvo diante do jogo de intrigas na alta cúpula do país porque o outro nome cotado para a sucessão de Khamenei é justamente seu filho, Mojtaba Khamenei.
O Irã é uma teocracia islâmica republicana, longe de ser uma monarquia, aquilo que poderíamos inferir diante da possível escolha de um descendente direto para a sucessão de Líder Supremo. Diante do falecimento de Ebrahim Raisi, o jogo da sucessão toma um novo contorno, uma vez que a presidência do país pode servir de plataforma para um clérigo ser alçado a Líder Supremo. Foi o caso do atual, Ali Khamenei, Presidente quando do falecimento do primeiro Líder Supremo do país, Ruhollah Khomeini em 1989.
Porém, para Mojtaba Khamenei suceder Ali Khamenei, é preciso passar pela Assembleia de Peritos, composto por 88 clérigos eleitos. Eleger o filho do Líder Supremo, entretanto, pode ser um problema, uma vez que a Revolução Islâmica se orgulha de ter derrubado uma monarquia e o Irã aprecia seu modelo republicano, que possui pilares definidos em sua ordem institucional teocrática e uma escolha como esta pode ensejar riscos que seus líderes talvez não estejam dispostos a correr.
A estabilidade do sistema caberá especialmente ao Conselho de Guardiões, composto por seis clérigos especialistas em jurisprudência islâmica escolhidos diretamente pelo Aiatolá e seis juristas nomeados pelo chefe do Poder Judiciário. Cabe ao Conselho vetar candidatos nas eleições para Parlamento, Presidência e Assembleia de Peritos, ou seja, passará pelas suas mãos aquele que irá suceder Ebrahim Raisi, assim como os nomes que devem eleger o sucessor do atual Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei.
Esta dinâmica mostra o delicado momento político atravessado pelo país com a perda de seu Presidente, que servia de ponto de equilíbrio para eleição do Líder Supremo, ao mesmo tempo que mantinha controle do aparato estatal e estabilidade política ao redor do establishment. A saída de cena abrupta de Ebrahim Raisi embaralha o jogo e mexe com as placas tectônicas do regime.
Além disso, o país passa por incertezas econômicas, inflação, a população sofre com a falta de água, mudanças climáticas, violações de direitos, amplamente conhecidas mundo afora, sendo a mais recente a morte da jovem Mahsa Amini enquanto estava sob custódia da polícia, presa por não usar um hijab corretamente. Sua perda ilustrou a brutalidade do regime em relação às mulheres e minorias. Ela era curda, membro de um dos grupos étnicos minoritários mais oprimidos do Irã.
Esta é a pressão sob a qual está colocado o país neste momento e a ausência de Raisi no cenário gera uma brutal disputa interna que passa pelo Conselho de Guardiões, mas deságua na Assembleia de Peritos e naqueles que decidirão quem será o novo Líder Supremo do país. Algo que dificilmente envolverá a oposição moderada, abrindo espaço para uma batalha na frente mais conservadora, mas que tem potencial de gerar choques políticos internos que ganhem as ruas em protestos. O tabuleiro está aberto e o jogo sendo estudado, especialmente diante da certeza que o caminho tomado pelo país pode influenciar decisivamente nos rumos do Oriente Médio.
Márcio Coimbra – cientista político