Quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Por Leandro Mazzini | 1 de agosto de 2023
Grupo de jornalistas esteve com indígenas da região
Foto: Leonardo Barreto/DivulgaçãoEsta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Andar pelas areias das vielas labirínticas de Caraíva, na Bahia, é um exercício de introspecção. Anda-se bem entre o casario colonial, mas ninguém se perde. Ali o tempo parou. Você vira o dono de seu dia – sem chefe, sem compromissos com horários, sem a pressa cotidiana. E pode seguir a luz do sol como um marcador do passar das horas. Um grupo de jornalistas do Brasil e de mais cinco países constatou isso numa press trip num fim de semana de julho.
Do bailar dos braços do canoeiro na zinga – o movimento da pá na água do rio – ao pôr do sol na beira-rio; do piso forte na areia quente para qualquer canto ao arrastapé dos forrós na madrugada; do caminhar na praia a seus bares e hotéis simples e de luxo; de uma braçada na Prainha do rio na aldeia Xandó à gastronomia de primeira linha dos restaurantes de culinária variada, tudo ali é uma aula de antropologia e cultura.
Seus personagens, aliás, são a alma viva do vilarejo considerado o mais antigo do Brasil. Seu tempo de fundação remete aos primeiros jesuítas que ali aportaram e construíram a igrejinha de quase 400 anos, onde hoje fica a pracinha. Por esses pontos é possível ver nativos e aqueles que abraçaram Caraíva como casa – novatos e antigos -, e turistas e indígenas da etnia pataxó, o povo originário. Por ali é possível encontrar a Duca, a artista plástica mais conhecida da vila. Parte dos jornalistas tiveram o privilégio de vê-la dando um afago no Nêgo, o pangaré que ela comprou e libertou. Nêgo anda livre por todo canto e para em points onde lhe dão comida e água, sem ser incomodado. Essa simplicidade da vila conquista a todos. A mesma na aldeia. Colada na vila, a poucos quilômetros do centrinho, existe a Reserva Porto do Boi, uma das primeira aldeias do Brasil. Onde se experimenta uma vivência intensa com os pataxós, como banho de ervas, pintura corporal, danças típicas, aplicação de rapé e conhece-se mais da História desse povo. Alguns deles circulam incólumes pela vila, como o líder Sairi – também escritor – , o cacique Marrudo e seu vice Antônio Cunha. Eles cuidam da Aldeia Xandó, território federal limítrofe com a vila.
Vale ressaltar, os nativos da vila têm uma consciência sócio-ambiental e de preservação animal sem igual. Sabe-se da necessidade do serviço de carroceiros como sobrevivência de suas famílias. Impossível acabar com isso. Mas houve esforços de alguns anos para cá para minorar o problema. As carroças com seus jeguinhos podem só carregar malas, não mais turistas. Os serviços de transporte em Caraíva são bem divididos em canoeiros, carroceiros e buggeiros (em sua maioria os pataxós). Tudo bem organizado em associações.
Ganhar as ruelas da vila que não tem calçada, nem carro, tampouco buzina, e num silêncio que se ouve o balançar das folhas de mangueiras e cajueiros é um alento para a alma. A vila sabe receber muito bem. Todos os jornalistas constataram isso com os anfitriões e ou gerentes de suas pousadas (veja abaixo a lista das que ofereceram hospedagem ao grupo). Numa delas, uma convidada entrou ao som de “Vilarejo” de Marisa Monte, e com abraços calorosos de três nativos. Em outras, em diferentes momentos do repouso, foram recepcionados com cafés e sucos pelos proprietários, cada qual com sua história de como Caraíva os conquistou, e ali ficaram. O interessante de Caraíva é isso: todos têm uma história bonita da vila para contar, e de como o vilarejo os atraiu até ali.
Nos dicionários informais e formais, é possível notar isso no DNA do lugar. O próprio nome já indica suas origens: “caraíva”, expressão indígena, deriva do vocábulo “caraíba”, e significa “invasor”, o “branco europeu”. O tempo passou, tudo mudou, evidentemente. Mas se a vila hoje é um misto de nativos pataxós com baianos que por ali nasceram herdeiros dessa mistura sanguínea do europeu com índio e com o negro. Há um esforço das pousadas em aliar o moderno nas suas suítes, para bem atender, com o rústico arquitetônico característica do local. Até dois anos atrás não havia sinal de celular (há uma torre da Vivo em Nova Caraíva). A luz chegou há 10 anos apenas – e as maquininhas para cartões, há 4 anos. Não se pode negar que , nesse conceito, Caraíva se tornou um lugar cosmopolita sem perder o bucolismo. Há europeus, gente de várias capitais que chegou no movimento hippie dos anos 70 e 80, e ali abriu casas e pousadas – até hoje existe esse movimento, com a fuga da cidade grande. Sem ciumeira. Há espaço para todos. A vila tem uma associação de nativos para tomada de decisões importantes. Foi esse conselho que abriu as portas para a 16ª edição do e-mundi (encontro mundial da imprensa), que acolheu os jornalista de Brasil, Argentina, Uruguai, México, Portugal e um correspondente de veículo da França.
O grupo de 12 jornalistas iniciou a trip em Porto Seguro, onde conheceu o resort Arcobalena à beira-mar e passeou pelo centro histórico da cidade secular. Na volta, passou pelo Quadrado de Trancoso, onde foi recebido com um excelente arroz de pescador do chef Felipe Rameh, convidado do evento, na tradicional Casa das Festas do povo da localidade.
E em Caraíva, vale lembrar: se alguém se perder – o que é difícil – pode encostar em qualquer nativo que todos são guias. Há uma união nesse sentido em torno de promoção da vila. Querem o melhor para cada um que ali aporta. Difícil é voltar. Há quem queira se perder para sempre ali. Acontece muito, todo dia.
O colunista viajou a convite do e-mundi, que teve apoio das secretarias de Turismo do Governo da Bahia e de Porto Seguro.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.