Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Edson Bündchen | 23 de fevereiro de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Convivemos hoje com uma realidade povoada por assuntos por demais banais para serem levados a sério, e temas sérios demais para serem ignorados, mas que imprudentemente o são. Esse sombreamento daquilo que deveria ser fonte de preocupação legítima é fruto da colossal proliferação de futilidades pelas redes sociais, distraindo perigosamente a sociedade daquilo que mereceria atenção. Mas não é apenas isso. Parece existir uma predisposição atávica para fugir de problemas que, de tão aterradores em sua natureza de risco, impelem o seu não enfrentamento, como se isso fosse uma opção razoável. De fato, como tão dramaticamente nos mostram os horrores da guerra da Ucrânia, as tragédias naturais que se sucedem, a espada nuclear que pende sobre as nossas cabeças e os riscos que a inteligência artificial nos impõe, sinalizam manifestamente que o caminho deve ser outro. A estratégia da omissão, que silentes presenciamos, não emerge como a mais inteligente, senão pelo contrário. A continuar o presente flerte com a beira do abismo, poderemos estar abreviando uma trajetória até aqui tida como épica, mas que pode não ter do acaso e dos nossos próprios descuidos tanta condescendência quanto seus habitantes dito civilizados supõem.
Há pessoas, porém, embora ainda em pequeno número, que genuinamente se preocupam com o nosso futuro, e não desdenham dos sinais cada vez inquietantes de que algo muito grave está na iminência de ocorrer. Cientistas atômicos da Universidade de Chicago, através do Conselho de Ciência e Segurança, estão encarregados de mover os ponteiros do “Relógio do Apocalipse”. O também chamado ‘Relógio do Juízo Final”, configura-se numa representação gráfica de ameaças de origem antropogênica que nos aproximam da destruição total e catastrófica da humanidade. É um modo de quantificar o quão perto estamos de uma tragédia global, que ocorrerá quando o relógio bater exatamente meia-noite. Em 24 de janeiro deste ano, o boletim dos cientistas atômicos aproximou um pouco mais o ponteiro dos segundos do “Relógio do Fim do Mundo” para a meia-noite, passando dos ‘100 anteriores para os atuais ’90 segundos. Estamos, nessa perspectiva, literalmente a um passo do precipício. Isso denota, com cristalina clareza, que não somente precisamos monitorar com urgência o que está acontecendo, mas o quanto somos remetidos à dimensão transcendental de nossas próprias existências, para a qual também o homem se encontra diante do pêndulo dicotômico entre a negação e a fé cega.
Nesse sentido, nas últimas semanas, uma ocorrência singular não passou despercebida. Vídeos com objetos não identificados sendo abatidos pela força aérea americana correram o mundo. Mais tarde, constatou-se serem balões chineses, o que acabou frustrando as especulações de que finalmente teríamos a tão esperada e temida visita dos nossos vizinhos siderais. Muito embora o tema seja tratado, em sua maioria, de uma forma jocosa, o insólito evento juntou-se ao já tumultuado ambiente de incertezas que rondam o planeta. Esse exercício mental de especulação de cenários antes tido como absurdos, parecem mais familiares agora que o mundo agasalha com maior naturalidade os devaneios entre o real e o imaginário, a julgar pela profusão de narrativas fantasiosas que povoam as redes sociais.
Entre balões, alienígenas e atribulações crescentes, a frase atribuída a Einstein de que “a ciência sem religião é manca, e a religião sem ciência é cega”, adquire força e atualidade, denotando que, diante do desconhecido, ciência e fé não são necessariamente opostas uma à outra, mas que ambas têm seus próprios domínios de validade e podem se complementar. Claro que a razão pura é incapaz de compreender a experiência humana sem a sua contrapartida metafísica, mas bem que o homem poderia exercitar com maior vigor a colaboração e maior compreensão entre si, passo primeiro ao nosso alcance para não deixar apenas ao acaso ou à Providência o nosso destino.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.