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Colunistas Tinto: Vazio ou cheio?

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Chegara o momento. A família não era grande. Os parentes haviam combinado um “assalto”naquele dia. Era o seu aniversário. Passara um pouco dos oitenta.

Olhou em seu derredor e viu que na diminuta sala, a mesa estava coberta de doces (brigadeiros, coloridos) ainda hospedados nos papelotes brancos, que davam caráter oficial a festa prestes a começar.
Apesar de ter diminuída sua audição, ainda conseguia ouvir (rejeitava ideia de aparelho: “não adianta nada”). Vendo a correria dos bisnetos, orgulhava-se – eram duas meninas e um menino – e sentiu a primeira alegria egoísta. Eram seus descentes!

Mesmo ele, que era mau fisionomista, encontrou no rosto dos bisnetos, traços que o levaram à satisfação: ele continuaria vivo pela parecença no rosto iluminado dos movimentados bisnetos.

Ele era ruivo. De repente, a imagem morena da companheira por mais de trinta anos, que já partira hospedou-se, num canto da memória, trazendo uma sensação de companhia e de tristeza, misturadas. Logo, a filha, sempre agitada, campeã de iniciativas, bateu palmas e avisou que iam cantar o parabéns “e cortar o bolo”. Viu, como num cortejo religioso (a música mudara: agora era de filme do Spielberg) os três bisnetos, meio sem jeito, carregando o bolo, com as velas, destacando os 80 anos do “vô”.

Orientados pelos pais, saíram correndo – mal tinham largado o bolo – e, porque era aniversário, alargaram os braços e gritos festivos, abraçaram e beijaram o veterano patriarca. Para ele, era um fugaz e valioso reencontro de gerações.

Deu-se conta que, a festinha – anárquica continuaria. Sentiu-se com a idade dos bisnetos e desejoso de abraçar os que faziam o cenário colorido de risos e sorrisos. Apercebeu-se que tinha uma “comichão” de alegria.

Se pudesse – as articulações não perdoam, apesar da fisioterapia – faria tudo que os bisnetos estavam fazendo. Deu-se conta que, naquelas circunstancias, nada se assemelha mais a um idoso que uma criança. Com os sentimentos (paixões e emoções) à flor da pele, que sentira, cedo da manhã e virara uma controlada euforia que só ele conseguiu sentir, monopolista de sentimentos como sempre fora (hoje, duvidava desse poder que lhe haviam atribuído).

Nessa história de “melhor idade” jamais acreditara.

Aliás, Ruiz Sajon, o romancista catalão, diz bem (falando na voz de uma personagem: “minha idade eu não sei. Prefiro que não me digam. Como no verso do poeta: quero ser apenas um menino com lembranças mais antigas”).

Enfim, apagadas as velinhas, ficou faceiro porque o sopro dado expulsara as sérias dúvidas, que, escondidas, tivera ao viver o fracasso que o constrangeria caso não fosse bem sucedido. Lembrou-se da frase da Cora Coralina, que chegou a passar dos noventa e que falava a respeito com autoridade:
“Não é que a gente não vai a festas porque é idoso”; a gente é idoso porque não vai a festas.

 

E empinou a taça com um tinto Pinot, lembrando o dito italiano:

“Empi il bicchieri vuoto
Vuota il bocchieri pieno
Lasciare mai vuoto
Lasciere mai pieno”

P.S:
“Enche o copo vazio.
Esvazia o copo cheio
Não deixar vazio
Não deixar cheio”

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/tinto-vazio-ou-cheio/ Tinto: Vazio ou cheio? 2018-05-05
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