O estado de saúde de um governante desperta a atenção da população, da classe política, da elite econômica e até de líderes mundiais. Quando há a simples suspeita de que um determinado presidente não goza mais de plenas condições para exercer o ofício, as engrenagens do poder e da sociedade se movem rapidamente. No último sábado, 19, depois de retornar de uma viagem a São Paulo, o presidente Lula sofreu um corte na cabeça ao cair em um banheiro do Palácio da Alvorada.
De início, os meios oficiais não deram detalhes do ocorrido, e as informações preliminares passaram a circular a partir de relatos de ministros e assessores presidenciais, segundo os quais o mandatário caiu ao se sentar em um banco para cortar as unhas do pé. Sob a pressão de seu corpo, o assento se moveu para frente num movimento facilitado pelo chão de mármore, altamente escorregadio enquanto o presidente tombou para trás e bateu a cabeça em uma quina. Com um ferimento acima da nuca, Lula foi levado às pressas a um hospital particular, onde se submeteu a exames para avaliar a gravidade da lesão. No dia seguinte, voltou a ser examinado, e a junta médica decidiu mantê-lo em observação.
Todos esses procedimentos médicos ocorreram sem que fosse dada uma satisfação transparente à sociedade e só se tornaram públicos posteriormente porque o mandatário teve de anunciar que se ausentaria de sua principal agenda programada para a semana. Faltando menos de quatro horas para a decolagem de Lula rumo à reunião da Cúpula do Brics, na Rússia, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou uma nota informando apenas que, por orientação médica e devido a um “impedimento temporário para viagens de avião de longa duração”, a ida estava cancelada. Não havia no texto menção ao acidente doméstico. Coube ao hospital e aos médicos divulgar mais tarde, sem muitos detalhes, que o presidente sofrera uma queda que lhe rendeu um pequeno traumatismo no crânio, além de focos de hemorragia e cinco pontos na cabeça.
Apesar do susto, Lula está muito bem. Foi esse o recado dado pelos lacônicos boletins médicos e por ele mesmo nos dias que sucederam ao acidente. Na segunda-feira 21, uma imagem do presidente foi divulgada em suas redes sociais. No registro, ele aparece gesticulando durante uma reunião, realizada na residência oficial, com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o assessor especial Celso Amorim.
Se o tombo acabou ajudando o presidente a não passar por saias justas lá fora, por aqui atrapalhou sua participação na reta final da campanha de aliados e suscitou uma série de teorias conspiratórias todas falsas, diga-se sobre sua saúde. O manto da “recomendação médica” mantinha no ar esse tipo de dúvida, alimentada até certo momento pela falta de esclarecimentos oficiais e mais detalhados sobre o estado do mandatário. A situação é até compreensível. Poucas informações são tão particulares e protegidas pelo direito à privacidade quanto a saúde de qualquer cidadão. Mas quando esse cidadão se torna uma autoridade pública, ainda mais com a responsabilidade de governar uma nação, a confusão aumenta.
“A população precisa saber se aquela autoridade está em condições de exercer sua função. Se a situação fosse levada ao limite, teríamos circunstâncias em que um governante poderia omitir um dado dessa natureza e seguir no cargo sem que fosse ele, de fato, que estivesse tomando as decisões. Não seria democrático. O interesse público sempre tem de ser preponderante, mesmo que exista o direito à privacidade”, afirma o advogado Bruno Morassutti, membro do conselho de transparência da Controladoria-Geral da União (CGU) e cofundador da ONG Fiquem Sabendo, especializada em acesso a informações públicas.
Já Robert Gregory Michener, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) especializado em transparência pública, reforça que nem todos os documentos médicos têm de ser divulgados, principalmente quando não dizem respeito a uma doença incapacitante ou grave. “O princípio da necessidade de saber o que está acontecendo precisa ser levado em consideração, mas isso não quer dizer que todos os detalhes precisam ser divulgados, justamente para não afetar a intimidade ou a honra do governante.”