Caminhar pelas ruas de Doha e seu entorno é esbarrar com torcedores argentinos, de diferentes idades, classes sociais, e histórias. Eles e os marroquinos têm evitado que a Copa do Mundo do Catar, um país desacostumado a festas e barulho, seja melancólica e fria.
Enquanto os marroquinos vieram em peso ao Catar depois que o Marrocos se classificou às semifinais, os argentinos estão no pequeno país árabe desde os primeiros dias do Mundial. O governo da nação sul-americana estimou antes do início do torneio em 40 mil o número de turistas que viajaram ao Catar.
Segundo o comitê organizador da Copa, os argentinos ficaram em sétimo na lista dos que mais adquiriram ingressos para as partidas: 61.083, sem contar os que vivem em outros países. Para a final deste domingo (18), a expectativa é de que 50 mil argentinos estejam no Estádio Lusail.
“Nossa relação com a seleção é muito passional”, constata Emanuel Diaz Mirabile. O advogado de 33 anos está em sua terceira Copa do Mundo. Também foi ao Brasil, em 2014, e à Rússia, em 2018. “Temos essa cultura de acompanhar a Argentina aonde ela vai. Demos ao Catar o clima sul-americano de torcer, como faz o brasileiro e o uruguaio também”.
A última Copa de Lionel Messi, a primeira sem o ídolo Diego Maradona, morto em 2020, e a forte identificação com a seleção de seu país explicam a presença de tantos argentinos no Mundial catariano.
“Sou torcedor do Boca Juniors, mas, pela seleção argentina, colocaria uma camisa do River Plate”, diz Ezequiel Donnenfeld, 24 anos, dando o exemplo de que existe unidade do povo argentino em torno da alviceleste. “A seleção está acima de tudo”.
Ele faz parte da numerosa porção de argentinos em Doha que veio de outros países. São imigrantes que vivem na Espanha, Estados Unidos e Austrália, caso de Ezequiel. Ele veio à nação árabe com o pai, Miguel, reviver o clima de arquibancada que não tem no país da Oceania.
“O país se junta por uma razão. O futebol ameniza o sofrimento”, aponta Miguel, de 54 anos. “Desde a eliminação para a França na Rússia, começamos a guardar dinheiro”, conta.
O técnico Lionel Scaloni compartilha desse sentimento. “Não é como a política, estão todos do mesmo lado. Não há clubes, somos todos alviceleste. O momento é de festejar. A Argentina está no pedestal do futebol”, afirmou o treinador, perto de levar a Argentina ao topo.
Tornaram-se comuns em Doha os “bandeiraços” de argentinos, que nascem por meio de pequenos grupos de torcedores. Eles espalham o evento via redes sociais ou WhatsApp, e reúnem milhares nas ruas de Doha, geralmente no Souq Waqif, tradicional mercado localizado no coração da capital catariana, com suas ruas estreitas e pouco espaço para movimentação, ou no Corniche, avenida de seis quilômetros de extensão ao lado da baía de Doha.
Até mesmo os organizadores da Copa ajudam a promover o bandeiraço argentino, de modo que dois deles foram divulgados a jornalistas pelo comitê organizador.
Os encontros têm cantoria, batuque, bumbo e gente espremida. O silencioso centro de Doha se transforma nos arredores da Bombonera em dia de jogo do Boca Juniors.
A festa dos “hermanos” nas ruas e estádios é embalada por “Muchachos”, música do grupo La Mosca, que virou o hino não oficial da competição para Messi e a sua equipe. Quase todos vestem a 10 de Lionel Messi e veneram seu ídolo. Todos com quem a reportagem conversou evitam comparar Messi a Maradona. Eles entendem que os dois têm seu lugar entre os maiores da história.
Comparecem aos eventos também simpatizantes da seleção alviceleste. São imigrantes de Bangladesh, Nepal, Índia, Paquistão, Sri Lanka e outros países da Ásia que vieram ao Catar para trabalhar e são fãs do time de Messi. Existe uma forte rivalidade entre os que preferem a Argentina e os adeptos do Brasil nesses países.
Desde que a Argentina perdeu para a Arábia Saudita na estreia, a atmosfera nas partidas seguintes mudou. Houve críticas pela falta de “alento” no revés para os sauditas.
Isso não aconteceu mais porque chegaram ao Catar antes do jogo com o México vários “barras bravas”, que tomaram os estádios com instrumentos, bandeiras e músicas de apoio, comportados como se estivessem nas arquibancadas dos estádios argentinos.
O governo argentino havia enviado ao Catar relação com nomes e dados de mais de 6 mil torcedores que fazem parte do chamado “direito de admissão”. Com longo histórico de violência, eles estão proibidos de entrar em estádios da América do Sul e não poderiam viajar ao país-sede da Copa.
No entanto, o Ministério da Segurança admitiu que aproximadamente 100 deles conseguiram viajar ao Catar e acompanhar os jogos da Argentina no Mundial mais caro da história.
Existe a hipótese de que obtiveram ingresso por meio dos dirigentes de clubes, já que a AFA recebeu da Fifa uma carga de 2,5 mil ingressos para repassar às equipes. A prática de dirigentes venderem ou concederem ingressos aos barras bravas é histórica na Argentina.
Esses torcedores uniformizados fazem um grande volume de dinheiro sozinhos, uma vez que têm participação em diferentes negócios nos clubes aos quais estão ligados. A renda vem desde tour até estacionamento dos estádios e quiosques. Portanto, o alto custo da Copa catariana não é um impedimento para que assistam de perto ao time de Lionel Messi buscar o terceiro título mundial. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.