A vitória de Trump – creio – não é boa para nós, para os Estados Unidos e para o mundo. Não é que Tamala Harris nos desse garantia de que seria uma boa governante, como Joe Biden. O atual presidente é um homem distinto. Nada brilhante, é verdade, mas honesto, de boa índole e bons sentimentos, um democrata clássico em meio a um mundo conturbado.
Basta lembrar que Bolsonaro e sua trupe , desde o primeiro dia do governo anterior, cuidaram mais da tarefa de desmoralizar e colocar sob suspeita as urnas eletrônicas, do que tratar dos assuntos de Estado – a preparação do terreno para melar o pleito, a pretexto de fraude.
Pois o governo democrata de Biden enviou ao Brasil duas missões oficiais representativas do Estado americano para o fim de chancelar e legitimar o que os verdadeiros cidadãos de bem já sabiam – a eleição brasileira, com as urnas eletrônicas desde 1996, era um modelo exemplar para o mundo, que ninguém botava em dúvida. Com a desonrosa exceção dos bolsonaristas.
A ação pública, firme, incisiva do governo americano – declarando que acataria o resultado das urnas e que tinha plena confiança na lisura do sistema eleitoral brasileiro – foi decisiva para inibir e barrar o instinto golpista da campanha contra as urnas eletrônicas.
E tanto o governo dos EUA e Biden tinham razão, que o 6 de janeiro de 2021, com a invasão do Capitólio por hordas direitistas ligadas a Trump, se repetiu como em um “remake” nos acontecimentos dramáticos da invasão e depredação das sedes dos poderes em Brasília, a 8 de janeiro de 2023 no Brasil.
Fato: Trump agora é o presidente. Não é muito difícil prever como será o seu governo – tudo terá a marca das birutas de aeroporto, da imprevisibilidade, do voluntarismo. Nada que ele diz e nada que ele faz está bem delineado. – como no seu primeiro mandato. Não será surpresa que o novo governo seja mais do mesmo, uma sucessão de espasmos, uma sequência de ações improvisadas, pequenas (e grandes) convulsões em série.
Nada evoluirá com naturalidade, o bom e o ruim se sucederão em sobressaltos, que ninguém será capaz de prever – o estilo de Trump, mais do que imprevisível , tende às mudanças bruscas, às decisões mal pesadas e mal pensadas. Tende ao caos.
É claro que Trump não fará a América “ great again”. Isso é apenas uma bandeirola de campanha. Alguma coisa sempre muda na superfície, mas não alcança a profundidade e a complexidade da vida americana – o território continental entre dois mares, 340 milhões de almas, o maior poderio do Ocidente, o império em que tudo é rico e abundante. As crises podem afetar regiões inteiras mas jamais o país inteiro.
Então Trump tocará o seu bumbo, sim. Fará algum estrago, sim, porque ele é muito ruim , primitivo, inculto e incivil, autocrata. De um tal figurino não é lícito esperar que melhore o convívio entre os homens, que se promova a paz e a solidariedade social, que torne o planeta mais habitável.
Ainda assim, tenho confiança de que a América – e o mundo – não sucumbirão a Trump e às suas formulações farsescas, disruptivas, e as dos seus imitadores e seguidores deslumbrados, como os que existem, infelizmente, entre nós.
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