Os mercados financeiros globals estavam bastante ansiosos antes da divulgação do plano tarifário do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. As expectativas eram altas, já que, diante da incerteza elevada, o mercado esperava alguma clareza para começar a fazer contas sobre os possíveis impactos do “tarifaco”. A estratégia não deu certo. Com o início bem mais agressivo que o esperado de uma guerra comercial mais ampla, a reação dos mercados se deu em duas etapas: na quinta-feira, continuidade do fluxo de saída dos ativos financeiros dos EUA; e, na sexta-feira, após a retaliação chinesa, modo de aversão a risco total, que não poupou nem ativos vistos como mais seguros, como o ouro.
Com a divulgação da tabela com as tarifas “recíprocas” que o governo Trump iria impor, dois pontos assustaram: a tarifa elevada sobre alguns importantes parceiros comerciais, como China, Japão e União Europeia; e os cálculos de bancos americanos sobre a tarifa média que passará a ser cobrada pelos EUA: entre 21% e 23%, a depender do método de cálculo utilizado. Em resumo: a tarifação total a ser implementada pelo governo americano superou até mesmo o cenário pessimista do mercado.
Não foi surpresa, assim, a reação ultranegativa dos investidores que, em um primeiro momento, ficou circunscrita aos ativos americanos, mas, depois, se espalhou para os ativos de risco no geral. Entre quinta e sexta-feira, importantes players do mercado começaram a calcular os potenciais impactos das tarifas sobre a economia global e o resultado foi preocupante. Já na noite de quinta-feira, o J.P. Morgan elevou a possibilidade de recessão global de 40% para 60% e, na noite de sexta-feira, revisou seu cenário econômico para os EUA.
O economista-chefe para EUA do banco, Michael Feroli, agora espera que o Produto Interno Bruto (PIB) americano sofra uma contração de 0,3% neste ano. Antes, a expectativa do J.P. Morgan era de um crescimento de 1,3%.
Não foi uma semana fácil para quem estava apostando na valorização nas bolsas de valores ao redor do globo, sobretudo nas ações americanas. Em Wall Street, o índice S&P 500 registrou o pior desempenho semanal desde a pandemia de covid-19, no início de 2020, em um demonstrativo da forte aversão a risco que dominou os mercados. Na sexta-feira (4), o índice chegou a cair mais de 6% em alguns momentos da sessão. O índice de volatilidade VIX, considerado o “termômetro do medo” dos mercados em Nova York, disparou e encerrou a semana com 45,31 pontos, também no maior nível desde a pandemia.
Nas bolsas europeias, o setor financeiro pesou duramente, com perdas relevantes das ações dos bancos da região. No fim da semana, o índice pan-europeu Stoxx 600 acumulou queda de 7,04%, na medida em que as preocupações com o crescimento da zona do euro, que já eram elevadas antes do “tarifaço” de Trump, podem se agravar ainda mais após as medidas adotadas pelo republicano. No caso brasileiro, o Ibovespa até tentou se segurar na quinta-feira (3) perto da estabilidade, mas o tombo sofrido pelas commodities e o sentimento de aversão a risco generalizado fizeram o indicador terminar a semana em baixa de 3,52%.
Nos mercados de juros, a dinâmica clássica da busca pela proteção dos Treasuries foi novamente vista e, com os preços dos títulos da dívida americana em alta, os rendimentos sofreram forte tombo e até mesmo papéis mais longos passaram a ser negociados com taxas inferiores a 4%.
Há uma expectativa crescente de que, com o tombo previsto para a atividade, o Federal Reserve (Fed) reaja e corte as taxas de juros de forma mais acelerada. Ao menos na sexta-feira, o presidente do Fed, Jerome Powell, manteve uma postura vigilante, que foi vista por alguns agentes como mais “hawkish”. Os contratos futuros dos Fed funds, compilados pelo CME Group, precificam o total de quatro reduções de 0,25 ponto percentual nas taxas de juros americanas ao longo deste ano e já flertam com um quinto corte, que se daria já em maio.
“Aumentar os juros em resposta a aumentos de preços motivados por tarifas seria um resultado indesejável. Por outro lado, o Fed não pode cortar as taxas apenas devido a ameaças tarifárias; ele deve olhar além dos aumentos de preços induzidos pelas tarifas para avaliar o potencial de inflação mais alta”, afirma o economista-chefe para EUA do Société Générale, Stephen Gallagher, ao projetar um corte nos juros em junho outro no segundo semestre, embora ressalte que a ameaça de uma recessão pode acelerar o processo de flexibilização monetária.