Sábado, 19 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 24 de março de 2025
“Aquele que salva seu país não viola nenhuma lei”, postou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no mês passado, em uma piada atribuída a Napoleão. Trump vem agindo com base nessa máxima desde o primeiro dia.
Mas na semana passada seu ataque ao sistema Judiciário se intensificou. Tendo sido impedidos de deportar mais de 200 supostos membros de gangues venezuelanas, agentes federais seguiram em frente com os voos de qualquer maneira. Quando o juiz James Boasberg pediu aos advogados do Departamento de Justiça que explicassem esse aparente desrespeito à decisão do tribunal, Trump o chamou de “lunático radical de esquerda” e exigiu seu impeachment.
Sua retórica é tão fora do comum que John Roberts, presidente da Suprema Corte dos EUA, sentiu-se obrigado semana passada a apontar que tais ameaças “não eram apropriadas”, embora não tenha especificado de quem.
Se Trump leva a sério a advertência de Roberts – ele foi rápido em observar que não foi citado – isso logo ficará claro. No entanto, seu confronto judicial é apenas uma das muitas investidas “inadequadas” na jugular do sistema dos EUA com uma ferocidade que pegou até os pessimistas de surpresa.
Entre esses ataques estão a declaração de guerra de Trump às universidades – especificamente Columbia e a Universidade da Pensilvânia, com mais a caminho; seu expurgo de funcionários de supervisão e inspetores do poder executivo, incluindo do FBI e do Pentágono; e seu desvio do monopólio fiscal do Congresso ao permitir que seu czar superpoderoso, Elon Musk, assumisse o controle do sistema de pagamentos e bancos de dados do Estado. Além de lançar dezenas de agências no caos, o chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) de Musk também desmantelou a USAid (agência federal de ajuda externa) e está mirando o Departamento de Educação.
Os tribunais mal conseguem acompanhar. Autoridades de Trump bloquearam várias ordens de restrição judiciais, e ele ainda planeja punir a “escória” que o investigou – uma promessa que ele repetiu há duas semanas em um discurso que fez dentro do Departamento de Justiça.
As ações de Trump, que começaram no dia de sua posse ao conceder perdão a cerca de 1.500 pessoas presas por invadir o Capitólio há quatro anos, e comutar os termos dos infratores mais graves, incluem quase todos os itens da lista de indicadores de retrocesso democrático. Mas sua presteza também deixou os defensores do sistema em atordoados.
“Isso está acontecendo muito mais rápido do que qualquer um poderia imaginar”, diz Steven Levitsky, acadêmico de Harvard e coautor com Daniel Ziblatt de “Como as Democracias Morrem” (2018, ed. Zahar). A captura de instituições estatais por homens fortes como Viktor Orbán ou Recep Tayyip Erdogan levou muitos anos para se concretizar, “Trump está tentando fazer isso em meses”.
Além disso, uma tomada hostil dos principais órgãos governamentais nunca foi tentada em uma democracia rica e estabelecida como os EUA, diz ele. “A velocidade e a intenção de Trump são notáveis. Mesmo quando acontecem lentamente, esses ataques generalizados são difíceis de parar.”
Trump teve a sorte de começar com um Congresso dócil, o primeiro braço do governo americano. A libertação dos chamados “reféns J6” deu o tom. Como seu objetivo era “enforcar Mike Pence”, o então vice-presidente de Trump, a mensagem foi clara. Só a lealdade pode comprar segurança.
O Senado controlado pelos republicanos confirmou docilmente todos os indicados de Trump, incluindo vários cuja conduta e histórico teriam causado sua rápida expulsão em qualquer outra era. Os EUA agora têm, entre outros, um secretário de Saúde cético das vacinas, um diretor do FBI que prometeu fazer assédio judicial contra os inimigos de Trump e um diretor de inteligência nacional acusado de ser alinhado ao Kremlin.
Quase nenhum republicano se opôs quando Trump retirou as proteções de segurança de antigos funcionários, incluindo Mike Pompeo (ex-secretário de Estado), John Bolton (ex-conselheiro de segurança nacional) e Brian Hook, seu ex-enviado ao Irã. O FBI diz que cada um deles está em uma lista de inimigos do Irã.
“É puro medo e covardia”, diz Adam Kinzinger, ex-congressista republicano que serviu na comissão que investigou o ataque de 6 de janeiro e tem sido ameaçado de prisão por Trump. “Perdi amigos e alguns familiares por causa disso. Um ex-copiloto [da força aérea] me disse que tinha vergonha de ter estado em combate comigo. Mas isso é superado pelo fato de que posso me olhar no espelho.”
Por sua vez, o Congresso não chamou Musk para prestar contas sobre a autoridade ou as ações de Doge ne uma única vez. “O Congresso… foi estripado”, diz Don Kettl, ex-reitor da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland. “Ele pode contar em fazer praticamente o que quiser sem resistência do Capitólio.”
Embora a ferramenta de Musk seja a motosserra, não um bisturi, e seu índice de aprovação tenha despencado, ele sabe onde está o poder. Trump pode ter aparelhado os “Ministérios do poder” (Justiça e FBI), as Forças Armadas e as agências de inteligência com pessoas leais a ele, mas sua tomada de poder mais ousada está sendo liderada pelo Doge.
Assim como suas táticas comerciais, Trump dobra ou quadruplica as ameaças de retaliação sempre que um juiz interrompe uma de suas ações. Mas ele ainda não se recusou inequivocamente a cumprir uma ordem. “É um jogo de quem arrega primeiro”, diz Brooks.
O alter ego de Trump, Musk, disse no mês passado que “a fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia”. Os observadores mais próximos do presidente, incluindo alguns republicanos, concordam que há poucos limites internos sobre o que ele pode fazer. Trump é uma força irresistível que ainda não encontrou um obstáculo.
“Temos muita fé no que é, em última análise, um processo partidário – a lei”, diz Moynihan, da Universidade de Michigan. “As pessoas estão esperando que Roberts e outro conservador decidam contra o mesmo partido – o partido de Trump – que os colocou na corte.”
Mas como outros observaram, a esperança não é uma estratégia – ainda menos contra uma figura tão sem limites quanto Trump. As informações são do jornal Financial Times.