Sexta-feira, 18 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 10 de abril de 2025
Os mercados financeiros globais assistiram nos últimos dias a uma venda em massa dos títulos de longo prazo do Tesouro americano, em patamares só vistos recentemente no auge das turbulências com a pandemia da covid, em 2020. O movimento reflete temores de uma recessão provocada pela guerra comercial do presidente Donald Trump, mas a intensidade das vendas sugere uma falta de confiança estrutural em ativos americanos e no próprio dólar como reserva de valor.
O movimento chama a atenção porque os papéis da dívida pública dos EUA são considerados há décadas como “o investimento mais seguro do mundo”, uma espécie de refúgio em tempos de crise.
Em uma postagem nas redes sociais ontem pela manhã, o ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers disse que a venda generalizada de títulos do Tesouro sugeria uma “aversão generalizada a ativos dos EUA nos mercados financeiros globais”. Summers alerta para a possibilidade de uma “grave crise financeira totalmente induzida pela política tarifária do governo dos EUA”.
“O mercado perdeu rapidamente a fé nos ativos americanos”, resumiu George Saravelos, chefe global de estratégia de câmbio do Deutsche Bank, em nota a clientes antes da virada do mercado após Trump suspender as tarifas sobre um grupo e países.
Nos últimos três pregões, o rendimento dos títulos de 30 anos subiu cerca de 0,4 ponto percentual, marcando o maior aumento desde novembro de 2020. Ontem, a taxa de longo prazo subiu 0,2 ponto percentual, para 4,79%, após ter superado 5% em alguns momentos.
Termômetro
Taxas altas significam que o governo americano está precisando pagar mais ao investidor para que este aceite comprar seus títulos. São um termômetro do grau de confiança do mercado em relação à dívida americana.
“Não vejo movimentos ou volatilidade desse tamanho desde o caos da pandemia. É uma verdadeira venda maciça de Treasuries”, disse Calvin Yeoh, gestor de portfólio do fundo de hedge Blue Edge Advisors.
Analistas temem que o tarifaço de Trump possa levar a economia a uma recessão e limitar a capacidade de resposta do Federal Reserve (o banco central americano), ao mesmo tempo em que provocam aumento da inflação.
Relatório do Bank of America afirma que “as preocupações com a sustentabilidade da dívida dos EUA, somadas aos riscos de inflação elevada, comprometem a capacidade dos Treasuries de atuarem como um ativo de diversificação”.
Para além da desconfiança global, há também o posicionamento das próprias autoridades americanas sobre o lugar do dólar como reserva de valor global.
“Nunca vimos um questionamento como esse nos últimos 60 anos, mas se a própria Casa Branca começa a questionar, é razoável que o resto do mundo também questione. A valorização do ouro, bastante relevante nos últimos meses, vem disso”, diz Eduardo Grübler, gestor multimercados da AMW, gestora da Warren Investimentos.
Em vez de se voltarem para o dólar ou para títulos americanos, os investidores internacionais estão acelerando um processo de “desdolarização” em ritmo mais rápido do que o previsto.
“Estamos entrando em uma espiral negativa que não vai terminar bem, pois a excepcionalidade dos EUA continua sendo desvalorizada”, avalia Sophie Huynh, estrategista sênior de ativos cruzados do BNP Paribas Asset Management.
A China tem as maiores reservas internacionais do mundo, com mais de US$ 3,2 trilhões. Como o dólar é a moeda de referência global, as reservas externas de todos os países do mundo costumam ter parcela enorme de títulos do Tesouro americana em sua composição.
China
Alguns investidores especulam que Pequim e outros países podem estar reavaliando suas posições na dívida pública dos EUA, em mais uma reação ao abalo sísmico provocado pelo tarifaço.
Embora essas movimentações raramente sejam visíveis em tempo real, seria um forte sinal de que os Treasuries já não oferecem a segurança de antes. Tanto a China quanto o Japão vêm reduzindo suas participações nesses títulos há algum tempo, segundo dados oficiais.
“A China pode estar vendendo como retaliação às tarifas”, afirmou Kenichiro Kitamura, gerente-geral do departamento de planejamento e pesquisa de investimentos da Meiji Yasuda, em Tóquio. “Os Treasuries estão se movendo por fatores políticos, e não pela dinâmica de oferta e demanda.”